O líder do Chega disse que o povo turco "não é conhecido por ser o mais trabalhador". A Esquerda caiu-lhe em cima e Aguiar-Branco não deixou dúvidas sobre a sua posição, defendendo o direito à "liberdade de expressão". Mas vamos à base: segundo dados da OCDE, na Turquia até se trabalha mais horas do que em Portugal.
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O momento aconteceu esta sexta-feira de manhã no Parlamento, durante o debate setorial com o ministro das Infraestruturas e Habitação: a propósito da construção do novo aeroporto em Alcochete, André Ventura questionou os dez anos previstos para a obra, considerando-os muito tempo, e, a dado momento, fez um comentário negativo acerca da capacidade de trabalho da população turca.
"O aeroporto de Istambul foi construído e operacionalizado em cinco anos. Os turcos não são propriamente conhecidos por ser o povo mais trabalhador do mundo", disse o líder do Chega, sob protestos imediatos de várias bancadas, com Aguiar-Branco a pedir aos deputados que deixassem Ventura terminar a intervenção, defendendo que "o deputado tem absoluta liberdade de expressão para se exprimir". "O julgamento do discurso político não é meu nem de nenhum deputado da Assembleia. Será pelo povo nas eleições", acrescentou Aguiar-Branco, contestado por PS, BE e Livre e aplaudido de pé pela bancada do Chega.
Turcos trabalham mais horas do que portugueses
Colocando de parte debates sobre limites da liberdade de expressão, olhemos para a base da declaração de André Ventura: "o povo turco não é conhecido por ser o mais trabalhador". Os dados mais recentes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, consultados pelo JN, mostram que os trabalhadores da Turquia surgem no 13.º lugar da lista dos 38 países da OCDE que trabalham mais horas anuais: 1732 horas por trabalhador (número de 2021). Além de figurar na primeira metade da lista que mais horas trabalha, a Turquia surge antes de Portugal, que, no ranking encabeçado pela Colômbia (2405 horas), aparece sete lugares depois, na 20.ª posição, com 1635 horas anuais (número de 2022).
A média anual de horas trabalhadas, pode ler-se, "é definida como o número total de horas efetivamente trabalhadas por ano dividido pelo número médio de pessoas empregadas por ano". Incluem as horas normais de trabalho dos trabalhadores a tempo inteiro e a tempo parcial, bem como as horas extraordinárias remuneradas e não remuneradas.
Esquerda condena, Aguiar-Branco responde: "Não serei eu o censor"
Na sequência da intervenção de Ventura e da reação de Aguiar-Branco à contestação das bancadas, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Fabian Figueiredo, pediu a palavra de imediato para defender que "atribuir características e estereótipos a um povo não deve ter espaço no debate democrático da Assembleia da República" e para pedir desculpa ao embaixador da Turquia em Portugal pelas palavras proferidas no Parlamento português.
De seguida, o presidente da Assembleia da República disse discordar dessa visão. "Não concordo, porque o debate democrático é cada um poder exprimir-se exatamente como quer fazê-lo. Na opinião do presidente da Assembleia, os trabalhos estão a ser conduzidos assegurando a livre expressão de todos os deputados. Não tem a ver com o que penso pessoalmente. Não serei eu o censor de nenhum dos deputados", declarou, aplaudido pela bancada do Chega.
Também numa curta intervenção, a líder parlamentar do PS, Alexandra Leitão, perguntou a Aguiar-Branco se uma bancada pode dizer "que uma determinada raça ou etnia é mais burra, mais preguiçosa ou menos digna". "No meu entender, pode", respondeu o presidente da Assembleia da República. "Se houver alguém que acha que deve ser feita censura à intervenção dos deputados recorre da decisão do presidente da Assembleia. E aí o plenário é que fará a censura, não serei eu", disse. Entretanto, o PS propôs hoje levar à conferência de líderes parlamentares como se deve compatibilizar a liberdade de expressão no Parlamento com "linhas vermelhas" como o "discurso de ódio" ou racista, o que mereceu a concordância de Aguiar-Branco.
Do lado do Livre, a líder parlamentar, Isabel Mendes Lopes, pediu a palavra para sublinhar que "o racismo é crime" e que o que é dito no Parlamento "tem consequência direta na vida das pessoas". Aguiar-Branco não quis dar continuidade ao tema, lembrando que "a Assembleia tem inúmeros mecanismos regimentais para exprimir a sua opinião" e reiterando que não iria "cercear a liberdade de expressão", prevista na Constituição. O argumento tem motivado várias críticas da Esquerda, que apontam que "discurso xenófobo" constitui um "crime" que não deve ser legitimado sob a defesa da Constituição.