Vicente Valentim apresenta livro no Porto sobre o fenómeno da direita radical. Defende que há ideias disseminadas na sociedade que as pessoas receiam expressar. Até aparecer um líder político competente capaz de as mobilizar.
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“Há ideias que parecem residuais, mas na verdade não são”. E a sua mobilização por políticos com “competência” permitiu a vários partidos “crescer muito depressa”. As democracias ocidentais, incluindo Portugal, têm assistido, nos últimos anos, à explosão da nova direita radical populista e Vicente Valentim, investigador português na Universidade de Oxford, foi à procura de uma explicação que surge agora em forma de livro: “O fim da vergonha: como a direita radical se normalizou”. O lançamento da obra no Porto está marcado para esta quinta-feira, às 18,30 horas, na FNAC do Norteshopping.
O livro é o resultado de uma tese de doutoramento no Instituto Universitário Europeu, em Florença (Itália), e de uma investigação posterior em Oxford. E o argumento central do livro - uma versão menos académica e dirigida a um público mais vasto - é que a força eleitoral da direita radical reside pelo menos em parte no facto de haver um conjunto de ideias que já estavam disseminadas na sociedade, mas que as pessoas “não se sentiam à vontade em expressar”. Isso faz com que “pareçam residuais, mas na verdade não são”, explicou o autor, em declarações ao JN.
Ideias que já lá estavam
Como também já disse, no rescaldo das legislativas de março, em entrevista ao JN, “o que percebi na análise a esses dados é que, de uma forma geral, quando as pessoas se encontravam em privado, quando se sentiam mais à vontade, acabavam por admitir que tinham ideias próximas da direita radical. Quando estes partidos entram em cena, as pessoas que já tinham essas ideias em privado, sentem-se mais à vontade em expressá-las. Não implica uma mudança das ideias, só implica que passem a ser expressas”.
O argumento será válido para o conjunto das democracias ocidentais, mas os países alvo de investigação mais sistemática foram o Reino Unido e o fenómeno do UKIP (Partido da Independência do Reino Unido, então liderado por Nigel Farage) a Espanha do Vox, a Alemanha da AfD e Portugal, em que o Chega chegou aos 50 deputados nas últimas legislativas.
O "talento" político
Como detalha Vicente Valentim, são ideias como a antipatia por minorias, pelos migrantes ou pelos refugiados, em que parecia que não haveria nada a ganhar em termos políticos. “A chave para alterar essa dinâmica é o talento” de determinados atores. Em Portugal já havia direita radical ou extrema, representada pelo PNR (agora Ergue-te), “mas as pessoas não votavam, porque sentiam que era um desperdício do seu voto. Isso muda quando um líder como André Ventura mostra competências que dão expectativas de que se torne um elemento-chave”.
Ou seja, “é preciso haver alguém que tem claras competências políticas, um político hábil, que não só tem este tipo de ideologia, mas que as pessoas acham que tem capacidade para ter êxito eleitoral, entrar no Parlamento e influenciar o debate a nível nacional”.
Mudar para crescer
A “mobilização dessas ideias” permitiu um crescimento muito rápido à direita radical um pouco por toda a Europa. Mesmo que o UKIP tenha entretanto colapsado, seja “pelas suas características próprias”, seja pelas dificuldades criadas pelo sistema eleitoral britânico (os círculos uninominais beneficiam os dois grandes partidos centrais do regime), na Alemanha, em Espanha, e agora em Portugal, os partidos que a representam chegaram rapidamente a uma dimensão relevante.
“Mas há um teto para isso”, a mobilização de ideias pré-existentes não parece ser suficiente para garantir o acesso ao poder. “Para crescer, esses partidos terão de adotar outros mecanismos. Ou se moderam, tornando-se mais centristas, ou mudam de ideias, para captar outro tipo de eleitores”. Talvez seja um bom tema para uma próxima investigação.