Ventura foi sócio de uma pastelaria e duplicou o saldo da conta nos últimos cinco anos
André Ventura nunca registou propriedades ou carros, nem declarou quaisquer investimentos financeiros nas declarações entregues ao Tribunal Constitucional (TC) ou à Entidade para a Transparência (EpT). Quando chegou à política, era sócio de uma pastelaria em Lisboa, em conjunto com o sogro.
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A análise às declarações de rendimentos do líder do Chega foi feita pelo "Observador". Nos últimos cinco anos e meio, Ventura mais do que duplicou o saldo da sua conta: na última declaração entregue tinha ativos financeiros no valor de 112 mil euros, enquanto, em 2018, tinha 48 mil euros, avança o "Observador". Todavia, nunca declarou imóveis, carros ou investimentos financeiros.
Foi, sim, sócio de uma pastelaria em Lisboa. Em 2018, ainda enquanto integrava o PSD e exercia funções como vereador na Câmara Municipal de Loures, André Ventura declara deter 45% do negócio, partilhando-o com o pai da mulher, que detinha a restante quota de 55%. No mesmo ano, acaba por vender a sua parte da pastelaria cinco dias após renunciar, com efeitos imediatos, como autarca.
Ao "Observador", o líder do Chega revelou que arrecadou com a venda do negócio 38 250 euros, dos quais pagou 4500 euros de imposto, e garantiu que foi fechado negócio com novos sócios foram da “esfera familiar” e da “rede de conhecimentos”
De acordo com a legislação portuguesa, titulares a cargos políticos devem “apresentam no Tribunal Constitucional, no prazo de 60 dias contado da data do início do exercício das respetivas funções, declaração dos seus rendimentos, bem como do seu património e cargos sociais”, na qual deve constar “a indicação total dos rendimentos brutos constantes da última declaração” do IRS. E obriga apenas a que sejam declaradas contas com saldos superiores a 50 salários mínimos. E caso sejam cessadas funções, devem apresentar uma nova declaração atualizada. Algo que André Ventura não chegou a cumprir.
No entanto, a lei não especifica a obrigatoriedade de declarar transações após o fim de funções, o que significa que, se a venda da pastelaria ocorreu após a renúncia ao mandato de vereador, André Ventura pode não estar legalmente obrigado a fazê-lo, mesmo que o valor que arrecadou seja superior a 50 ordenados mínimos.
André Ventura terá declarado a venda da quota do negócio ao Fisco, mas, em 2019, quando entregou as declarações enquanto líder do Chega e deputado, não informou o Tribunal Constitucional sobre os 38 mil euros. O JN questionou o Chega, mas até ao momento não obteve resposta.
Ao "Observador", Ventura explicou que quando declarou a venda da pastelaria não inscreveu esse valor no englobamento do IRS, mas, sim, nas mais-valias - neste caso de valores mobiliários -, pelo que não contou para os seus rendimentos brutos desse ano. O Código do IRS (CIRS) contempla, de facto, essa possibilidade: "os ganhos de mais-valias pode sem tributados autonomamente a uma taxa de 28%, e como tal não serem englobados nos rendimentos".
"Não haveria razão para esconder ao TC"
Para Jorge Pereira da Silva, “estas obrigações declarativas que a lei estabelece são uma restrição a direitos fundamentais”, como “o direito à privacidade e reserva da intimidade na vida privada, que inclui o sigilo bancário”. Por isso, “os titulares dos cargos políticos têm o direito de as interpretar restritivamente”, acrescenta, ao JN, o constitucionalista.
Todavia, “não haveria razão para esconder [a venda da quota] do TC”. O também professor de Direito não crê que haja indícios relevantes de incumprimento. Agora, “dúvidas de interpretação há sempre”, sublinha. Todavia, a falta de informações pode levantar questões de transparência. Mas “se a entidade fiscalizadora acha que faltam elementos, pode pedi-los”.
E alerta: “este tipo de escrutínio, a que os políticos se prestam, alimentam mais o populismo do que uma democracia saudável e transparente”.