O líder do Chega vai reunir-se, esta quinta-feira, com o presidente da Assembleia da República levando o tema da TAP na carteira. Mas André Ventura poderá acabar a ser confrontado com o comportamento da sua bancada no plenário, que culminou com a acusação de desrespeito para com a vice-presidente Edite Estrela e fez com que Augusto Santos Silva, com quem tem tido uma relação conturbada, garantisse levar o assunto a conferência de líderes.
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A relação entre o líder do Chega, André Ventura, e o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, é tensa desde praticamente o momento da tomada de posse. Foram várias as situações de "confronto" entre os dois dentro e fora do plenário, originando até uma situação em que a bancada toda do Chega abandonou o hemiciclo em protesto e com Ventura a tentar aprovar uma moção de censura contra o presidente do Parlamento.
De facto, foram vários os "ralhetes" que Santos Silva deu a Ventura ou à sua bancada, devido a declarações ora sobre a comunidade cigana ora sobre imigrantes. O primeiro com maior significado foi logo a 8 de abril do ano passado, com o presidente do Parlamento a acabar a ser aplaudido de pé.
"Esta capacidade de dizer sim à comunidade cigana tem de acabar em Portugal, porque sim, as minorias não devem ser confrontadas por nós, mas também não podem ser apaparicadas ao ponto de ignorarem que têm de ter os mesmos deveres que todos os portugueses", declarou André Ventura, numa intervenção, em plenário, em que falou de agressões no Alentejo e a bombeiros em Lisboa e no Porto.
Santos Silva acabou por o interromper. "Permita-me que o interrompa para lhe dizer que não há atribuições coletivas de culpa em Portugal. Portanto, solicito-lhe que continue livremente a sua intervenção como é seu direito, respeitando este princípio", declarou.
Mais tarde, a 9 de setembro, o presidente do Parlamento voltou a advertir Ventura sobre "discursos injuriosos", quando este garantia que "muitos episódios de violência em Portugal" estão ligados à comunidade cigana. "O número três do artigo 89.º do Regimento obriga-me a, mais uma vez, a adverti-lo de que discursos injuriosos não podem ser proferidos neste parlamento. Nenhum grupo étnico, seja ele qual for, tem o exclusivo ou da honradez ou da malvadez", referiu Santos Silva.
A partir do início do ano, os alvos do Chega mudaram, para a imigração e para o presidente do Brasil. A 13 de janeiro, Ventura chamou Lula da Silva de "bandido", com Santos Silva a considerar que se tratava de "uma expressão ofensiva em relação ao presidente de um país que é amigo de Portugal".
Ainda assim, em abril, Ventura voltou a atacar Lula da Silva, garantindo que o lugar do presidente do Brasil "é na prisão". Nessa altura, discutia-se a visita oficial a Portugal. "O senhor deputado fará o favor de se abster de fazer essas considerações no plenário deste Parlamento", avisou, de imediato, Santos Silva.
Antes, a 29 de março, discutia-se a redução do IVA para produtos alimentares essenciais e o líder do Chega não resistiu a atirar: "Os portugueses merecem, ao contrário de outros que vêm para cá cometer crimes e que são de fora". Acabou por não conseguir terminar a sua intervenção, tamanhos foram os protestos gerados. Pediu 40 segundos adicionais. Santos Silva deu-lhe 20 segundos. Ventura brincou: "Parece um banqueiro". E o presidente do Parlamento acabou por levar todos à gargalhada ao aconselhar André Ventura a "inspirar-se" em Buda, cujo discurso mais famoso foi um em "que esteve calado, contemplando uma flor".
Mas, um dos momentos mais tensos ocorreu a 17 de julho do ano passado, quando André Ventura divulgou que iria entregar um projeto de resolução para censurar o presidente da Assembleia da República. Em causa, o facto de Augusto Santos Silva ter recusado admitir projetos de lei do Chega, considerando que seriam inconstitucionais.
Os diplomas visava alterações ao Código Penal com vista à instituição da possibilidade de prisão perpétua, à instituição de penas até aos 65 anos e alterações ao Estatuto dos Deputados. Santos Silva recusou ainda o agendamento de um debate de urgência. E foi acusado por Ventura de violar o seu dever de imparcialidade. A censura ao presidente do Parlamento acabou rejeitada.
Dias depois, a 21 de julho, o verniz estalou, na última sessão plenária antes das férias do Parlamento. Ventura considerou que, ao aprovar-se o novo regime jurídico para estrangeiros, o Governo estava a pretender que os imigrantes "venham de qualquer maneira" e acusou António Costa de não dar prioridade "aos portugueses que trabalharam toda a vida e que sustentam o país".
"Devo dizer que como presidente da Assembleia da República de Portugal considero que Portugal deve muito, mas mesmo muito aos muitos milhares de imigrantes que aqui trabalham e contribuem para a nossa Segurança Social", reagiu Santos Silva.
Mas Ventura não se calou e toda a bancada do Chega acabou por abandonar o hemiciclo em protesto contra o presidente do Parlamento.
Outro momento de maior tensão ocorreu por causa da eutanásia quando, em dezembro passado, o Chega usou de todos os meios para adiar a publicação do Decreto aprovado no Parlamento, chegando a apresentar uma reclamação a Santos Silva sobre a redação final do diploma. Ventura acabou acusado pelo presidente do Parlamento de recorrer a "manobras dilatórias".
"Nem o pior dos tribunais soviéticos fazia isto. A sua atitude é vergonhosa", atirou Ventura na direção de Santos Silva, que o aconselhou, assim: "A qualidade essencial da vida democrática é o senso comum".
Pelo meio, Ventura e Santos Silva ainda se confrontaram por causa da escolha de um vice-presidente para a Assembleia da República, que está a funcionar com apenas dois dos quatro lugares disponíveis. O Chega já propôs quatro deputados (Diogo Pacheco de Amorim, Gabriel Mithá Ribeiro, Rui Paulo Sousa e Jorge Galveias) mas todos foram rejeitados, obtendo apenas entre 35 a 64 votos favoráveis num universo de 230 deputados.
O episódio mais recente não envolveu diretamente André Ventura e Santos Silva. Mas a deputada socialista e vice-presidente do Parlamento, Edite Estrela, que conduzia os trabalhos e foi desautorizada pelo deputado do Chega Pedro Frazão. O que foi interpretado pelo PS como "falta de respeito" e algo com "laivos de misoginia".
Confrontado em plenário com a situação pelo líder parlamentar socialista, Eurico Brilhante Dias, o presidente da Assembleia da República concordou levar esse caso e todos os outros a reunião da conferência de líderes, que deverá ocorrer no próximo dia 26.
Mas curiosamente é sobre um comportamento do grupo parlamentar do PS que André Ventura quer falar, esta quinta-feira, com o presidente da Assembleia da República: o caso de reunião preparatória com a ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener.
"O Chega vai pedir e propor ao presidente da Assembleia da República que faça uma fiscalização do que ocorreu no passado em relação a este tipo de reuniões preparatórias e que não permita que este tipo de reuniões continue ou possa ocorrer novamente", antecipou André Ventura, passando ao lado da possibilidade de vir a ser confrontado por Santos Silva com o caso de Edite Estrela e com "uma sucessão de comportamentos" que, para o presidente do Parlamento, "desafiam o Regimento e as condições em que o debate deve ser livre e plural".
André Ventura
12 de abril de 2023
"Não queria deixar de lhe dizer e de transmitir o nosso profundo descontentamento com a sua decisão - porque é sua decisão -, de trazer ao Parlamento o presidente brasileiro e de permitir que se confunda isso com a sessão do 25 de Abril de 1974, a sessão comemorativa do 25 de Abril. Hoje e sempre, o lugar do ladrão é na prisão".
Augusto Santos Silva
29 de março de 202
"Um dos mais famosos sermões do Siddhartha Gautama, também conhecido como Buda, foi um sermão em que ele esteve calado, contemplando uma flor. O senhor deputado também se podia inspirar".