Foi aprovada em setembro, começou a ser aplicada em dezembro. A nova lei dos serviços de transporte rodoviário promete alterar sobremaneira o panorama atual das viagens entre cidades. Possibilita o acesso de mais empresas a mais terminais e acaba por indiretamente flexibilizar o preço dos bilhetes.
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Está em marcha a liberalização do serviço público de transportes de passageiros expresso. A mais recente legislação sobre o setor, em vigor desde há menos de um mês, autoriza a entrada no mercado de novos atores, que passam a poder assegurar viagens de média e longa distância sem praticamente qualquer restrição. O valor dos bilhetes será mais reduzido.
Um dos players já em ação no terreno das low-cost rodoviárias é a FlixBus. Presente em Portugal desde 2017, embora com atividade limitada, a empresa alemã, com ramificações em praticamente toda a Europa, promete mover as águas.
"Chegaremos a mais de 80 cidades, tanto da costa como do interior, com preços dinâmicos", confirma ao JN Pablo Pastega, diretor-geral da FlixBus para a Península Ibérica. Para o responsável, a liberalização vem "modernizar o sistema de mobilidade português.". No entanto, há ainda que esclarecer "questões não suficientemente claras" sobre a matéria, sob pena "de ser prejudicada a igualdade de participação" dos operadores.
Adeus preços fixos
"Um exemplo: não é possível que, em virtude de critérios subjetivos ou indeterminados, os horários indicados pelos operadores para o mesmo trajeto acabem por ser diferentes, permitindo-se que alguns publicitem tempos de viagem que não se adequam aos limites de velocidade em função do tipo de estrada utilizada", aponta Pablo Pastega.
Para já, a BlaBlaBus também promete entrar no campeonato das low-cost. A portuguesa Scotturb estará a ponderar o mesmo.
Uma das consequências diretas do decreto-lei 140/2019 é o fim das tarifas de valor obrigatório. Ou seja, os preços para a mesma viagem de autocarro poderão ir variando online, não tendo valores fixos de aquisição, à semelhança do que sucede em várias companhias europeias, como a britânica National Express. Tal fará com que os serviços rodoviários de transporte passem a cotar-se como dos mais acessíveis do mercado para o mesmo tipo de rota (ler tabela ao lado).
Conforme estabelece o artigo 6.º da lei, um dos requisitos obrigatórios para as empresas de transporte é mesmo a disponibilização de uma plataforma eletrónica ou sítio na internet para reserva e venda de títulos, que complemente o serviço de bilheteira.
Os preços dinâmicos irão permitir viagens muito mais baratas, sobretudo se os bilhetes forem conseguidos com algumas semanas de antecedência
"Os preços dinâmicos irão permitir viagens muito mais baratas, sobretudo se os bilhetes forem conseguidos com algumas semanas de antecedência", descreve Pablo Pastega.
As novidades caíram bem, também, nos profissionais do setor. Para o Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal (STRUP), daqui em diante estão criadas condições para que os serviços aos utentes sejam melhorados e abrangentes. "Haverá autocarros em regiões alargadas do país, o que levará a mais oportunidades de emprego", sublinha Anabela Carvalheira, coordenadora do STRUP.
Quem recebeu com cautelas a nova lei foi a Associação Nacional de Transportes de Passageiros (Antrop), que prefere colocar um travão em possíveis entusiasmos desmedidos sobre o futuro.
"Não pode ser uma liberalização sem regras. Desejamos a concorrência, mas não uma concorrência selvagem que, no limite, possa colocar em causa a viabilidade dos operadores", avisa Luís Cabaço Martins, presidente da Antrop.
A maior preocupação da Antrop é, precisamente, a entrada em cena de empresas concorrenciais que, motivadas pelas novas condições, atuarão em força no mercado. "Se não for devidamente acautelada, esta liberalização vai permitir que operadores, maioritariamente estrangeiros, venham fazer as viagens rentáveis e esquecer as outras. Explorar apenas os trajetos Lisboa-Porto e Lisboa-Algarve é fácil mas não suficiente. Quem faz as ligações para o interior?", interroga o líder associativo.
Luís Cabaço Martins é, também, administrador do Grupo Barraqueiro, um dos maiores operadores da Rede Nacional de Expressos. E nessa qualidade garante que a empresa "está pronta para enfrentar a concorrência, desde que as regras sejam iguais para todos".
Igualdade de oportunidades
"Queremos continuar a prestar um serviço de qualidade, a servir as populações do interior e os clientes para os trajetos de maior procura. Temos uma estrutura em Portugal que nos permite enfrentar a concorrência, mesmo aquela que é mais agressiva", assegura.
A recente legislação veio colmatar uma lacuna que o Governo encontrou na legislação anterior sobre o Regime Jurídico do Serviço Transporte de Passageiros, aprovada em 2015, a qual omitia qualquer referência a alterações na regulamentação aos serviços rodoviários expresso.
O objetivo é o de "assegurar que as interfaces e os terminais de transporte público permitam o acesso não discriminatório e a igualdade de oportunidades a todos os operadores de serviços públicos de transporte de passageiros", esclarece o Executivo no texto introdutório do decreto-lei agora vigente.
No fundo, possibilita-se a abertura do mercado "à livre participação de operadores", de forma a "melhorar o serviço e os preços, e a garantir uma correta concorrência entre todos". De fora ficam os transportes rodoviários assegurados pelo Estado no âmbito do serviço público.
Até Marcelo Rebelo de Sousa, numa nota deixada no site da Presidência da República aquando da promulgação da lei, deixou votos que "a presente liberalização do serviço público de transportes de passageiros expresso possa assegurar um melhor serviço aos utilizadores". Mas foi claro num aviso concreto, o de que "sejam respeitados os direitos nomeadamente dos operadores de interfaces e terminais".