Longe de pensar que hoje estaria a entrar solenemente na diocese do Porto, como bispo titular, o padre António Francisco dos Santos era, há 40 anos, coadjutor da paróquia de Cinfães. Ordenado um ano antes, permanecia no torrão natal, mas preparava-se para rumar a Paris. A 25 de abril de 1974, soube da revolução antes de sair de casa.
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"Pelas sete da manhã, ouvi nas notícias um comunicado do MFA, mas saí para fazer a minha vida normal", conta o prelado, que ensinava História e Geografia, bem como Religião e Moral, na Escola Preparatória de Cinfães (distrito de Viseu, diocese de Lamego). Levou para lá um rádio de pilhas, para não perder pitada do que se passava, e encontrou a diretora apreensiva. Somando dois e dois, percebeu que na véspera houvera um sinal: "Eu dava aulas à noite e tinha alunos da GNR, que faltaram, por estarem de prevenção: os militares de Lamego passaram por Cinfães, para irem tomar o aeroporto do Porto".
Não ficou surpreendido: "Já tinha lido 'Portugal e o Futuro', do general Spínola, assinava o 'Expresso' e tinha havido o golpe das Caldas, em que participara um oficial de Cinfães, meu amigo".
Em Cinfães, longe do epicentro da revolução, "aqueles dias viveram-se em sobressalto, principalmente por parte das pessoas mais esclarecidas". Daí partiu, em julho, o padre António. Foi para Paris, onde estudou e viveu até 1979. Passou a perceber Portugal através de "todo o olhar dos jornalistas franceses". No local onde residia, compravam-se o jornal conservador "Le Figaro" e o católico "La Croix", mas ele lia também o mais progressista "Le Monde", além de revistas como "L'Express" e "Nouvel Observateur". "Sempre fiquei com a ideia de que admiravam Portugal, pela forma como se fazia a transição para a democracia".
Já os emigrantes encaravam a instabilidade revolucionária "com muita apreensão". "Eles viviam a pensar no regresso a Portugal e sentiam forte insegurança em relação às remessas que enviavam", explica.
Havia, ainda, emigrantes de outra natureza. "Viviam lá muitos jovens, que eram refratários ao serviço militar", recorda, explicando um reflexo curioso dessa circunstância: "Fizeram-se muitos casamentos de portugueses em França. As noivas iam daqui até lá, pois eles não podiam regressar, ou eram logo presos".
António Francisco dos Santos
65 anos, Bispo do Porto