A falta de acessibilidade nas mesas de voto constitui um entrave para os que estão numa cadeira de rodas ou são invisuais. Em 2024, a Comissão Nacional de Eleições recebeu "63 comunicações escritas" sobre o tema.
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A votação em mobilidade nas eleições europeias, em junho do ano passado, foi mais uma prova para Gabriela de que a acessibilidade e a inclusão, mesmo na hora de votar, continuam por cumprir. Votou no exterior de uma escola porque o portão era demasiado estreito para uma cadeira de rodas. A cada escrutínio, as histórias repetem-se: os eleitores com mobilidade reduzida ou algum tipo de deficiência encontram dificuldades para aceder às mesas de voto. Por vezes, os constrangimentos são tão grandes e constrangedores que muitos desistem de votar. As associações não conseguem quantificar o problema, porque, admitem ao JN, a revolta e a vergonha cala muitos dos atingidos.
Helena Rato, de 81 anos, vice-presidente da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), conhece de perto as dificuldades dos eleitores com mobilidade reduzida na hora da votação. Em junho de 2024, chegou com a filha Gabriela, de 59 anos, a uma escola do concelho da Ericeira para votar nas europeias. Apesar de estarem recenseadas em Lisboa, nas eleições para o Parlamento Europeu não era obrigatório votar no local de recenseamento. “O portão da escola era muito estreito. Não dava para passar a cadeira de rodas [da filha]”, diz Helena Rato. A única entrada que permitia a passagem estava fechada e o segurança não tinha a chave.
Um dos membros de uma mesa de voto deslocou-se com o boletim e a urna para o exterior da escola. Gabriela ficou do lado de fora do portão e só assim conseguiu votar. Como vice-presidente da APD, Helena Rato acredita que os casos de inacessibilidade nas mesas de voto existem, mas nem todos chegam às associações. “As pessoas desistem de votar e nós não chegamos a ter conhecimento dessas situações”, afirma.
Recusam atestado multiuso
Rodrigo Santos, presidente da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO), refere que o problema é ainda mais grave, quando os membros das mesas de voto recusam o atestado de incapacidade multiuso como meio de prova para solicitar o voto acompanhado ou a matriz do boletim de voto em braille. “Chegam relatos de pessoas em que lhes é pedido um documento passado pelo centro de saúde”, aponta.
Segundo o site oficial da Comissão Nacional de Eleições (CNE), se os membros da mesa de voto considerarem “que a doença ou deficiência não é notória e necessita de comprovação médica”, o eleitor terá de ter um atestado passado pelo centro de saúde. Em todas as eleições, há unidades de cuidados de saúde primários abertas em todo o país para prestar esse serviço.
No entanto, Rodrigo Santos diz haver “ressentimento” e “bastante angústia” por parte dos eleitores invisuais, “quando o Estado não acredita nas declarações que o próprio Estado passou”, nomeadamente na legitimidade de um atestado de incapacidade multiuso. Continua a haver membros das mesas de voto sem formação no tema, revela o responsável da ACAPO.
A vice-presidente da APD considera, no entanto, que os palanques para fazer a cruz no boletim têm uma altura desajustada para uma pessoa com deficiência. Helena Rato lembra ainda que há pessoas “prisioneiras nas suas próprias casas”. “Para ir votar, é preciso conseguir sair de casa primeiro”, salienta a responsável associativa.
Acamados sem direito a votar
Em Portugal, os doentes internados em hospitais e em unidades de cuidados continuados e os reclusos podem solicitar o voto antecipado. Nas legislativas deste ano, a votação ocorreu entre 5 e 8 de maio. Os votos são recolhidos nos próprios estabelecimentos por um representante da câmara municipal. O mesmo não acontece com os doentes acamados em casa e algumas pessoas de mobilidade reduzida. Sem a possibilidade de saírem de casa, ficam impedidos de exercer o seu direito de voto. A legislação portuguesa não prevê o voto no domicílio, apesar de ter sido permitido durante a pandemia às pessoas em isolamento.
A CNE adiantou ao JN que recebeu "63 comunicações escritas sobre a acessibilidade às assembleias de voto de pessoas com deficiência" em 2024, sendo que oito deram origem a processos. A mesma organização disse "não há qualquer lei eleitoral que permita e regule a recolha de votos em casa".
Rodrigo Santos admite que tem havido uma “tentativa do sistema” na promoção da acessibilidade ao voto, todavia o presidente da ACAPO gostaria de “ver mais energia”. “A votação tem de ser verdadeiramente inclusiva. O processo deve ser construído de raiz, contemplando as necessidades de todas as pessoas, com ou sem deficiência”, conclui.
Eleitores
Há 10,8 milhões de eleitores residentes em Portugal e no estrangeiro, que irão eleger 230 deputados do Parlamento. Mais de 300 mil pessoas inscreveram-se para o voto antecipado, que decorreu no dia 11 de maio. A afluência foi de 94%.
Centros de saúde
Mais de 90 centros de saúde estão abertos este domingo, das 8 às 19 horas, em todo o país. Se o eleitor precisar de ajuda para votar e precisar de comprovar uma doença ou deficiência, pode obter um atestado num centro de saúde. O documento só é necessário se a mesa de voto o solicitar.