Centros educativos com capacidade esgotada já estão a transferir menores por falta de recursos humanos.
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O Ministério das Finanças está há mais de meio ano para aprovar a contratação urgente de 44 técnicos profissionais de reinserção social. A falta de resposta do gabinete do ministro Fernando Medina já obrigou à implementação de medidas drásticas nos centros educativos que acolhem jovens delinquentes. Três unidades residenciais foram encerradas, menores tiveram de ser transferidos, já não se garante a diferenciação dos regimes de internamento e, neste momento, se todas as decisões judiciais fossem cumpridas, não havia onde institucionalizar jovens castigados pela justiça nos prazos legais.
Primeiro, os números. Os seis estabelecimentos da rede nacional de centros educativos precisam de 116 técnicos profissionais de reinserção social. Mas, devido à saída de 15, só nos últimos dois anos, atualmente há apenas 90 em funções. Os dados são avançados, ao JN, pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), que antecipa, para breve, um cenário ainda mais problemático.
"Seis técnicos têm mais de 40 anos de serviço e 15 têm mais de 30 anos de serviço. As principais razões de saída prendem-se com o facto de ser uma carreira não revista, sem qualquer progressão, o que leva os profissionais, sobretudo os licenciados, a saírem para outros serviços, sempre que têm oportunidade. Ademais, verifica-se um significativo número de saídas por aposentação", justifica fonte oficial.
Para estancar a hemorragia, a DGRSP requereu, em outubro de 2022, "a contratação de 44 técnicos profissionais de reinserção social, através de concurso externo de ingresso, urgente". A proposta foi aprovada pelo Ministério da Justiça e remetida pela ministra Catarina Sarmento e Castro às Finanças. Contudo, do colega Fernando Medina não chegou qualquer resposta e muito menos o aval para admitir os profissionais em falta. "Está-se, até ao momento, a aguardar a autorização para a contratação", confirma a DGRSP. Também as questões enviadas pelo JN ao Ministério das Finanças não foram respondidas.
Residências encerradas
Agora, as consequências. "Face à situação de carência de técnicos profissionais de reinserção social, procedeu-se ao encerramento de uma unidade residencial no centro educativo da Bela Vista, que diminuiu a sua capacidade em 12 vagas, e de meia unidade residencial no centro educativo Padre António de Oliveira, com diminuição de seis vagas", descreve a DGRSP.
Estes encerramentos aconteceram no final de maio e juntaram-se ao fecho, logo em fevereiro, de uma residência no centro educativo Navarro de Paiva. "Além disso, o centro educativo de Santa Clara, em Vila do Conde, deixou de ter a unidade feminina, para aumentarmos a resposta de internamento para rapazes. Atualmente, apenas o centro educativo Navarro de Paiva tem condições para receber jovens do sexo feminino, com uma lotação de 14", complementa.
Sistema sem resposta
Com o fecho das residências, houve "necessidade de transferir seis jovens da Bela Vista para os centros educativos dos Olivais, de Santa Clara e Navarro de Paiva", assim como de três raparigas de Santa Clara para o Navarro de Paiva.
Nas contas finais, a lotação do sistema foi reduzida de 164 para 134 vagas e a rede deixou de ter capacidade de resposta, pois neste já há 135 jovens com medidas cautelares de internamento.
Segundo a DGRSP, os centros educativos acolhem hoje "130 jovens internados, dos quais 118 rapazes e 12 raparigas". A estes somam-se "cinco jovens em supervisão intensiva, que podem regressar aos centros educativos de origem, em caso de incumprimento do plano de reinserção social". E, tal como o JN já avançou, os tribunais estão a ordenar o internamento de um jovem a cada dois dias, desde o início deste ano.
Pormenores
Oito técnicos
A DGRSP explica que cada unidade residencial dos centros educativos exige oito técnicos profissionais de reinserção social. Cumprindo esta regra, e "estando em funcionamento todas as unidades residenciais dos seis centros educativos, seriam necessários 116 técnicos" para o sistema funcionar em pleno.
38 dias para internar
A Lei Tutelar Educativa estabelece que o tribunal tem três dias para remeter aos serviços de reinserção social o pedido de vaga em centro educativo. A partir daí, a DGRSP dispõe de cinco dias para dar resposta e a família dispõe de 30 dias para a entrega do jovem.
Internamento de menores delinquentes sempre a subir
Na semana passada, o JN avançou que só nos quatro primeiros meses deste ano, os tribunais encaminharam 65 menores para centros educativos. O maior número de internamentos desde 2015 está plasmado no relatório "Estatística Mensal dos Centros Educativos", publicado em maio. Segundo o documento, "entre janeiro e abril de 2023, a DGRSP recebeu das entidades judiciais um total de 65 solicitações para execução de medidas em centro educativo", o que, "comparativamente com o mesmo período do ano anterior", representa "um crescimento de 41,35%". O relatório evidencia ainda que "se manteve a mesma tendência verificada em 2021 e 2022 de crescimento do número de jovens em centro educativo". Na ocasião, o Ministério da Justiça, confrontado pelo JN, confirmava que "o número de solicitações para cumprimento de medidas tutelares educativas em centros educativos tem vindo, efetivamente, a crescer". Mas garantia que este "crescimento não tem impedido que as solicitações de internamento estejam a ser atendidas à medida que chegam". O gabinete da ministra Catarina Sarmento e Castro destacava, então, "o facto de a lotação dos centros educativos ser de 152 lugares e haver 128 jovens internados, o que determina uma taxa global de ocupação de 84,2%". Estatística que não está sintonizada com aquela que, agora, é apresentada pela DGRSP e que assegura que a rede tem somente 134 vagas.
Três modalidades de internamento
1. Diferenciação de regimes em causa
Nas medidas cautelares impostas aos jovens delinquentes, o tribunal define qual o regime de internamento a cumprir e o menor é encaminhado para o centro educativo mais adequado. A DGRSP sustenta que, "tanto quanto possível, os centros educativos dispõem de unidades residenciais de acordo com o regime decidido" e que todos "estão a receber jovens com os regimes para os quais estão vocacionados". No entanto, ressalva que "nem sempre é possível diferenciar as unidades residenciais dada a diminuição de vagas no sistema".
2. Três formas de acolhimento
Os jovens podem ser internados em três regimes distintos: aberto; semiaberto; fechado. Nos dois primeiros, o internamento tem a duração mínima de três meses e a máxima de dois anos, destinando-se a menores que cometeram um "crime a que corresponda pena máxima, abstratamente aplicável, de prisão superior a três anos ou dois ou mais crimes a que corresponda pena máxima superior a três anos". Já o internamento em regime fechado é aplicável a menor com mais de 14 anos, autor de um crime a que corresponda pena máxima de prisão superior a cinco anos ou dois ou mais crimes a que corresponda pena máxima de prisão superior a três anos.
3. Medida com duração máxima de três anos
"A medida de internamento em regime fechado tem a duração mínima de seis meses e a máxima de dois anos", salvo se, estipula a lei, o jovem for autor de um crime a "que corresponda pena máxima de prisão superior a oito anos" ou dois ou mais crimes com pena máxima de prisão superior a cinco anos. Nesses casos, pode estar internado três anos. Os centros educativos destinam-se a jovens entre os 12 e os 16 anos, mas a "execução das medidas tutelares pode prolongar-se até estes completarem 21 anos".