Souto Moura, presidente da Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores, anunciou, ao início da noite desta quinta-feira, que vai ser criado um "grupo de encontro" para receber futuras vítimas de abusos sexuais, que será apresentado no próximo dia 17 de abril à Conferência Episcopal Portuguesa. E aponta que "ficava bem à Igreja indemnizar as vítimas".
"Vai ser apresentado um grupo de acolhimento, acompanhamento e prevenção a nível nacional, para ouvir pessoas num primeiro momento. Será um interface entre comissões diocesanas, que responde à relutância que algumas pessoas ainda terão em queixar-se à diocese. Esse grupo vai tentar suprir esse inconveniente e dizer 'venham falar connosco que não temos nada a ver com as dioceses", avançou na Capela do Rato, em Lisboa, na primeira de duas sessões para debater o impacto dos abusos sexuais da Igreja Católica nas vítimas.
O antigo procurador-geral da República revelou ainda que, em fevereiro passado, as Comissões Diocesanas receberam 36 denúncias em todo o país. Um número "pequeno" que, acredita, se poderá dever a alguma "relutância (das vítimas) em queixarem-se às comissões diocesanas por desconfiarem". Souto Moura disse que, na próxima segunda-feira, vai receber a primeira vítima de "três casos (denúncias de abusos)" que recebeu.
"Recebi três casos, segunda vou receber a primeira. Um pouco por todo o país, as comissões diocesanas estão a mexer", garantiu, acrescentando ainda que "está a ser criada uma bolsa de psicólogos". "Quanto a problemas psicológicos, o problema está resolvido".
Num debate, moderado pela jornalista Rosa Pedroso de Lima, o responsável das Comissões Diocesanas disse que "é preciso mudar a sociedade, mudar uma cultura e mentalidade" e que "ficava bem à igreja indemnizar as vítimas". "É preciso deixar de encobrir e ao primeiro sinal atuar. Essa é a grande mudança que é preciso operar. Haver maior transparência e eliminar qualquer ambiguidade", apelou.
O presidente das Comissões Diocesanas disse ainda que "não significa que a monstruosidade esteja aqui (na igreja)", ao contrário do que o Papa Francisco disse. "As projeções (da Comissão Independente) correspondem aquilo que a ciência aconselha que se diga. Essas expectativas foram muito grandes e é preciso fazer uma leitura critica disto tudo", observou, alertando ainda para a dificuldade de se investigar denúncias anónimas. "Se é anónima ou o agressor confessa ou, se não confessa, e não se sabe quem é a vítima, não me espanta que o resultado da investigação não dê o resultado que gostaríamos".
Francisca Vieira, pedopsiquiatra, outra das convidadas para o debate, também salientou a dificuldade em investigar queixas anónimas. "Muitas denúncias foram online, não se sabe quem foi, o que pode dificultar o avançar da investigação. Era uma resposta a um inquérito online (da Comissão Independente). "Espero que as comissões diocesanas sejam espaço promotor de mudança", referiu.
"Muito aquém"
Quase dois meses depois da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica ter entregue o relatório final, Catarina Vasconcelos, que fez parte da comissão, considerou que a reação da igreja "ficou muito aquém do esperado". "Foi tímida e defensiva, confusa e reveladora de diferentes sensibilidades de diocese para diocese, muito pouco empática e parca em atos concretos. Não só deixaram desiludidos a maioria dos católicos como contribuíram ainda mais para reforçar o mau estar das vítimas, afastando-as da prática religiosa católica", criticou num texto lido pela jornalista Rosa Pedroso de Lima, uma vez que não pode estar presente.