O Conselho Nacional de Educação estima em cerca de 20 mil o número de alunos que os professores não conseguiram contactar durante o primeiro confinamento no ano passado. Numa audição, esta sexta-feira, no Parlamento, Maria Emília Brederode Santos admite, para o próximo ano letivo, o recurso a estudantes finalistas de cursos de Educação ou a professores reformados para reforçarem o ensino no 1.º ciclo.
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Não é a primeira vez que Maria Emília Brederode Santos alerta quanto ao risco de o ensino à distância ter feito aumentar o abandono escolar mas desta vez a presidente do CNE traduziu a estimativa em número. O CNE fez um inquérito a todos os diretores a que 63% terão respondido e concluiu que em média os professores não conseguiram contactar 2% dos alunos durante o primeiro confinamento em que as escolas estiveram fechadas entre março e junho de 2020. Percentagem que corresponde a uma "estimativa de 20 mil alunos", afirmou hoje durante audição parlamentar sobre a recuperação das aprendizagens, requerida pelo PSD. Estes alunos, mais vulneráveis e com historial de insucesso devem ser os prioritários em termos de recuperação, devendo ser alvo de recursos pedagógicos e de apoios socioeconómicos.
O Governo, recorde-se, prometeu para maio a apresentação de um plano de recuperação das aprendizagens que deve ser aplicado durante os próximos dois anos letivos. Maria Emília Brederode Santos defende a criação de uma bolsa de recursos, nomeadamente humanos, a que as escolas possam recorrer, devendo o 1.º ciclo ser privilegiado por causa do impacto na aprendizagem da leitura e escrita. "Não tanto com horas extra ou através do prolongamento do calendário" mas, por exemplo, através do reforço da coadjuvação em sala de aula, recorrendo-se a outros professores, estudantes finalistas dos cursos de formação de professores ou até a docentes aposentados para "permitir ao professor titular organizar a aula em pequenos grupos e com atenção individualizada", propõe a presidente do CNE.
António Gomes Ferreira, da Faculdade de Psicologia e das Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, também não vê "outra forma senão atribuir às escolas essa bolsa de recursos para que consigam gerir e atender às especificidades dos alunos" no próximo ano letivo.
Programas entre 42 a 384 milhões de euros
Pedro Freitas representou o grupo de investigador da Nova School of Business and Economics que há cerca de um mês divulgou um estudo em que defendia as escolas de verão como plano de recuperação. O professor criticou o diagnóstico feito pelo Ministério da Educação através de provas de aferição a uma amostra de alunos do 3.º, 6.º e 9.º anos por excluir anos de escolaridade como o 1.º e 2.º anos, precisamente os mais penalizados, e por não permitir a comparação com medidas anteriores não resultando assim na perceção dos alunos mais afetados.
A equipa da Nova defende a aplicação de dois programas como estratégia de recuperação das aprendizagens: tutorias e escolas de verão. O reforço do primeiro, que já é aplicado nas escolas e é das medidas pedagógicas que revelam melhores resultados nos estudos internacionais, deve abranger os alunos que já tinham dificuldades de aprendizagem antes da pandemia, ser um apoio de uma hora por semana, dividido em duas sessões e para grupos entre 3 a 5 alunos (neste momento são de dez). Num cenário em que seriam envolvidos quase 400 mil alunos e dez mil tutores (num reforço a Português e Matemática) o custo estimado do programa, estimam os investigadores, seria de 168 milhões de euros; se o plano abrangesse mais de 900 mil alunos e 21 mil tutores, o investimento pode ascender a 384 milhões de euros.
As escolas de verão, contestadas por associações de diretores, sublinhou seriam planeadas para decorrer em quatro semanas, dedicariam uma hora diária de tutoria para recuperação de aprendizagens e o restante tempo para atividades lúdicas, artísticas ou de socialização. Teriam um custo estimado de 166 euros por aluno. No total, o programa podia oscilar, calculam, entre os 42 milhões de euros se abrangendo cerca de 250 mil alunos e mais de dez mil tutores e 55 milhões de euros se chegar a mais de 330 mil alunos e 13 mil tutores.
Agravamento das desigualdades
De acordo com dados recolhidos pela professora Maria Assunção Flores Fernandes, do Instituto de Educação da Universidade do Minho, os principais constrangimentos reportadas por professores e diretores a um inquérito sobre o ensino à distância, foram a falta de equipamentos (por 58,4%), as dificuldades em envolver os alunos nas atividades (40,8%) ou em dominar a atenção dos alunos (25,2%).
Os professores de escolas em contextos marcados por níveis socioeconómicos mais baixos reportaram médias mais baixas de participação dos alunos, nomeadamente o cumprimento das tarefas, o que confirma, considera a investigadora, a acentuação das desigualdades e a diferenciação no acesso à aprendizagem.
O inquérito revelou ainda que 92% dos professores tiveram necessidade de produzir novos materiais pedagógicos para as aulas. No entanto, frisa Maria Assunção Flores, apenas 37,3% responderam ter mudado de estratégias de ensino. Mais de 36% diversificaram os instrumentos de avaliação (20% mantiveram), 58% responderam "nunca recorrer a testes" durante o ensino à distância mas a participação dos alunos diminuiu (39,7%) na avaliação. "Dados paradoxais que evidenciam a diversidade de respostas" pelas escolas e que terão de ser aprofundados, argumentou.
Sem poupanças
O diretor da OCDE para a Educação Andreas Schleicher alertou que o financiamento da Educação não pode ser sofrer cortes nos anos de recuperação após a pandemia, como aconteceu após a crise financeira de 2008. "Não pode haver poupanças. Precisamos de fazer melhor porque vai ser importantíssimo", afirmou na audição numa participação via Zoom à semelhança de todos os oradores convidados.
Andreas Schleicher sublinhou que o fecho das escolas pelos países da OCDE não acompanharam o ritmo da pandemia, a Dinamarca, por exemplo, apontou manteve as escolas abertas. Portugal integrou e bem, considerou, o grupo dos países que priorizaram o funcionamento presencial e a vacinação dos professores.