Há um ringue, em Ovar, onde todos têm lugar. No TDCU há miúdos carenciados, vítimas de bullying, toxicodependentes ou alunos com deficiência. Crianças e jovens entram porta adentro, a custo zero, pelas mãos do casal João Botelho e Isabel Cristina, mestres de artes marciais, que os transportam da rua para o ginásio.
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Este é um local especial, onde se ensina a respeitar, a par de técnicas de defesa pessoal e combate urbano.
As portas do TDCU, espaço da Associação Portuguesa de Técnicas de Defesa Pessoal e Combate Urbano, estão abertas das 16 às 21 horas. Para "todos os que queiram aparecer". O projeto existe desde 1998, quando o mestre João Botelho, antigo campeão mundial de combate total, quis dar oportunidade a crianças sem recursos de praticar desporto.
"Cresci num bairro no Porto e também me deram oportunidade a mim, que era pobre, de treinar gratuitamente", conta. Decidiu fazer o mesmo e percebeu que em Ovar havia uma classe muito desfavorecida. Alugou um espaço só para "ajudar quem não tem nada a fugir da marginalidade com exemplos de afeto".
Conta com a ajuda de instituições, juntas de freguesia e Câmara a identificar casos de carências e de empresas, como a Frutas Monte Cristo e as Tintas Vítor Rocha. "As pessoas confundem artes marciais com violência, mas não é uma técnica agressiva", explica. Ao todo, chegam 70 miúdos e graúdos de todo o concelho, alguns até treinam com os pais. E ensina-lhes mais do que isso. "Têm de fazer uma saudação para pedir licença para entrar. Para perceberem que há regras. Ajudo-os a ganhar autoestima, controlo emocional, a serem humildes". Até vai vendo como estão as notas na escola: "Se forem más, há castigos".
Era muito nervoso e isto é como um antistresse, sinto-me mais calmo e confiante
Alguns criam método e chegam aos combates. Dois deles vão competir pela primeira vez hoje, na Convenção Internacional de Artes Marciais e Defesa Pessoal, em Arada. É organizada por João e reúne atletas de 14 países. Lucas Bento, brasileiro que chegou a Ovar há um ano e meio, é um deles. Tem 24 anos. "Era muito nervoso e isto é como um antistresse, sinto-me mais calmo e confiante".
Mas o projeto também chega a vítimas de bullying. "Estão sempre a bater-me na escola e os meus pais trouxeram-me aqui", conta Rodrigo Matos, 9 anos. "Quero saber defender-me para não se meterem mais comigo e já não tenho tanto medo". Em 15 dias aprendeu mais do que técnicas de defesa pessoal: "A respeitar os outros e a perceber que os outros me devem respeitar", sublinha.