
Goncalo Villaverde
É já considerada como a nova epidemia das sociedades modernas e tanto pode afetar crianças, jovens e adultos, sobretudo nas grandes cidades. Retratos de quem vive sozinho em Portugal no meio de muitos.
Os efeitos negativos da solidão na saúde há muito que são conhecidos, mas só agora o assunto começa a despertar maior atenção por parte dos especialistas devido à dimensão que atinge nas grandes cidades mundiais. Um novo estudo, apresentado recentemente no congresso anual da Associação Americana de Psicologia, conclui mesmo que a solidão pode ser um risco para a saúde como a obesidade. E afeta tanto crianças e jovens como adultos.
"No caso das grandes cidades, apesar da proximidade física de milhares ou milhões de pessoas, a vida caracteriza-se por uma azáfama e correria quotidiana, em que as pessoas deixam de prestar atenção ao "outro", concentrando-se de forma exclusiva nas suas atividades e no seu mundo individual. Muitas vezes, perdem-se hábitos de convivência e de vizinhança, o que nos torna "sozinhos, rodeados de estranhos", explica António Caspurro, psicólogo e diretor técnico da Arrimo - Organização Cooperativa para Desenvolvimento Social e Comunitário que atua na promoção da saúde e erradicação da pobreza e da exclusão social na cidade do Porto.
"O confronto com o estranho facilmente gera a desconfiança, o que por sua vez facilita conflito e a hostilidade, agravando o afastamento e a rejeição. Viver numa realidade destas, em permanente estado de ansiedade social, estabelece o stresse, com todas as suas consequências ao nível psíquico e biológico. Facilmente o stresse prolongado leva também, inevitavelmente, à falência do corpo e das suas defesas, favorecendo a doença", acrescenta.
Na realidade, uma pessoa que está sozinha geralmente mostra-se mais angustiada, deprimida e hostil. Na maioria dos casos, dificilmente realiza atividades físicas e potencia relações negativas com os outros e, de acordo com vários estudos, este sentimento pode ser contagioso. Testes realizados em pessoas solitárias apontam para várias consequências físicas: elevam-se os níveis de cortisol (hormona corticosteroide da família dos esteroides), a resistência à circulação de sangue aumenta e certos aspetos da imunidade diminuem. Mesmo durante o sono, a doença não descansa. Aumenta a frequência dos pequenos despertares durante a noite o que leva a que a pessoa acorde esgotada.
Isolamento social aumenta o risco de morte prematura em 50%
O estudo da Associação Americana de Psicologia refere mesmo que o sentir-se solitário, o isolamento social aumenta o risco de morte prematura em 50%, enquanto a convivência social pode prevenir o risco na mesma medida. Já a obesidade eleva o risco de morte antes dos 70 anos em 30%. "O ser humano é social por natureza. Quando fica privado de relações minimamente satisfatórias, com outros seres humanos, necessariamente isso interfere negativamente com a sua saúde mental. A depressão é a expressão mais vulgar da patologia associada à solidão, mas as consequências de uma vivência prolongada do isolamento, pode mesmo desencadear comportamentos psicóticos mais graves, no caso de personalidades mais frágeis", salienta António Caspurro.
Os casos mais graves acabam mesmo numa autorreclusão. "Estes casos, obviamente, refletem uma patologia grave, associada à vivência da solidão, enquanto anulação do relacionamento com o outro, o que priva a mente humana de algo essencial. A nossa mente forma-se e desenvolve-se a partir do relacionamento com o mundo exterior e em particular com os outros seres humanos", explica o psicólogo da Arrimo.
O presidente da União de Freguesias do Centro Histórico do Porto fala com preocupação sobre este problema crescente e que atinge essencialmente os idosos. Para além dos centros de dia, António José Fonseca ressalva os passeios pela cidade que a junta organiza e a que chama "Incursão pelo Conhecimento", os convívios com crianças de infantários e ATL e com estudantes universitários, as aulas de ginástica e o coro da junta. O psicólogo António Caspurro concorda que as entidades estão a dar resposta a esta problemática, contudo acha que "tais políticas deverão prolongar-se no tempo e integrar uma dimensão preventiva, ao nível da educação, bem como promover as mudanças culturais necessárias à humanização da nossa sociedade, cujo desenvolvimento tende, por vezes, pelo contrário a promover a exclusão".
Cozinhar só para um custa-me imenso"
Saiu da casa dos pais com 21 anos, viveu acompanhada até aos 33 e, por força das circunstâncias, optou por morar sozinha desde então. Catarina Duarte, bracarense com 38 anos, está há cinco anos habituada a uma independência que a faz "sentir bem", mas ao mesmo tempo, reconhece, lhe traz alguns períodos de "solidão". Nessas alturas, sabe que pode contar com os amigos e o namorado para colmatar a ausência de "barulho" em casa.
"A maior desvantagem de viver sozinha é a hora de refeição. Ter que cozinhar só para uma pessoa, dá-me preguiça e custa-me imenso. Há momentos em que chegámos a casa e está aquele silêncio... Gostava de ter mais barulho. Mas, por norma, sinto-me bem", afirma Catarina, defendendo que "viver sozinha não significa que seja uma pessoa isolada". Há sempre um amigo ou o namorado para fazer companhia.
No seu caso, confessa, as redes sociais nunca foram o meio que escolheu para se "entreter". Aliás, "ligo-me às redes sociais, porque tenho que gerir as da loja [onde trabalha]", sublinha, acrescentando que a leitura ou até a bricolage são atividades preferenciais para ir passando o tempo em que não está acompanhada. "Há sempre coisas para fazer em casa".
"Não tenho ninguém com quem falar"
"Sou feliz e gosto de vir até aqui. Se ficar em casa não tenho ninguém para quem falar". Maria Laurinda Lopes fez 88 anos em janeiro e "há muitos"que frequenta o Centro de Dia e Convívio da União das Freguesias do Centro Histórico do Porto. É ali que tem as amigas, umas mais novas, outras mais velhas. Jogam às cartas, lancham e, ao final da tarde, regressam à solidão das suas casas. O Centro "tem muitas atividades, coisas sempre diferentes", refere. Da televisão já está "a ficar farta, porque só mostra desgraças". A vida nem sempre foi fácil. Nascida em Penafiel, veio morar para o Porto quando casou. O marido era empregado da Carris (atual STCP). "Éramos pobres", recorda. Os primeiros anos foram "complicados".
Teve uma filha e, entretanto, a vida "foi melhorando", mas acabou por ficar viúva. O marido era diabético, "bebia um bocadinho" e morreu aos 60 anos. A filha e o genro visitam-na e telefonam regularmente. Tem dois netos, "um formado em engenharia do ambiente mas não arranjou emprego". A neta está a trabalhar na Holanda. "Está cheia de frio porque lá cai muita neve", diz a rir. Já a convidou para ir até lá mas Maria Laurinda não quer viajar. "Ela diz que lá as escadas são estreitinhas e às tantas nem consigo passar e depois parece que lá não há talhos e eu gosto de comer carne", acrescenta.
Apesar de viver sozinha, mantém-se ativa. "Faço o comer e a cama antes de vir para o Centro", afirma. E ali anima as companheiras com as suas quadras e rimas. Ao despedir-se, lançou esta: "Eu subi ao limoeiro e cheguei ao meio e caí; se o limoeiro é a morte, eu por morrer renasci".
Aveiro não é boa para os jovens"
Ricardo Beja, de 41 anos, mudou-se para Aveiro quando tinha apenas 18. Apesar de ser natural do Porto, na altura vivia em Espinho, com a avó, e foi para uma cidade nova, viver como estudante, entre outros jovens. Cinco anos depois, começou a morar sozinho. E é assim que vive ainda hoje, sabendo de cor a solidão que pode espreitar quando não se tem ninguém para partilhar um teto.
"Não importa se uma cidade é grande ou pequena, mas sim a oferta que tem. No caso de Aveiro, é uma cidade claustrofóbica. É muito bonita, mas não é boa para os jovens. Cada vez mais sinto isso", atesta. Formado em Engenharia Mecânica, Ricardo trabalha na Universidade de Aveiro, onde dá aulas e colabora com projetos de investigação. Mas é à noite, principalmente, que por vezes sente a solidão, quando se depara com dias em que não tem companhia para tomar um café. "Até aos 30, mais ou menos, era diferente. Depois, alguns amigos saíram de cá e os que ficaram casaram e tiveram filhos. E o que noto é que cá em Aveiro as pessoas são muito viradas para a família e não têm cultura de rua, como noutras cidades", conta.
Para Ricardo Beja, um aumento das ofertas culturais poderia ser uma forma de combater a solidão. "Há pouca oferta. Mas, quando há, as pessoas também não aderem porque não estão habituadas", sublinha. E é ao fim de semana, por exemplo, que mais se apercebe disso. "Num sábado, depois de almoço, o que há para fazer?"
Primeiros meses foram impossíveis"
Foi uma oportunidade de início de carreira profissional, que levou, em outubro último, a jovem Carolina Roque Rodrigues a trocar Guimarães, onde nasceu e cresceu, por Lisboa. Aos 22 anos, sentiu na pele a diferença entre a dimensão e a vivência social das duas cidades, sobretudo, por ser originaria "de uma família grande e muito unida" e de repente se ver a viver sozinha. "Os primeiros quatro meses foram impossíveis. Muitas vezes, apetecia-me desistir e voltar para a minha cidade", confessa ao JN. Licenciada em Marketing e Comunicação, Carolina está a estagiar numa empresa da área, onde trabalha com outras jovens e diz que já se sente mais integrada. "Os colegas de trabalho ajudam, mas sinto a falta da família. Em Guimarães, almoçávamos todos os dias juntos, aqui uma das coisas que mais me custam é almoçar sozinha", observa.
A forte determinação profissional faz, no entanto, com que se vá adaptando. Atualmente, divide uma casa com outra jovem, mas não deixa de se sentir só. "A minha colega estuda à noite. Eu janto sozinha e o serão é dos momentos mais difíceis", sublinha, acentuando a diferença entre as duas cidades. "Em Guimarães, conheço os meus vizinhos todos. Aqui, estou num prédio onde não conheço ninguém". * com Paulo Lourenço, Sandra Freitas e Salomé Filipe
