Um coletivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli condenou, esta quinta-feira, o casal de portugueses Tiago e Fong Fong Guerra a oito anos de prisão efetiva e uma indemnização de 859 mil dólares por peculato.
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Depois de vários atrasos e adiamentos, a juíza Jacinta Costa, que preside ao coletivo de juízes que ouviu o caso, leu o acórdão durante uma audiência que decorreu esta quinta-feira, com duas interrupções, na sala principal do tribunal de primeira instância em Díli.
O tribunal declarou os dois arguidos coautores do crime de peculato e absolveu-os pelos crimes de branqueamento de capitais e falsificação documental de que também eram acusados.
"Os arguidos prejudicaram as finanças e a economia do Estado, e defraudaram o Estado de Timor. Atuaram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas não eram permitidas por lei e que eram criminalmente puníveis", disse a juíza que esteve durante mais de quatro horas a ler o acórdão da acusação.
O Ministério Público tinha pedido uma pena de prisão de oito anos pelos crimes e a defesa tinha pedido absolvição.
Defesa recorre: acórdão "repleto de contradições"
A defesa do casal recorreu da decisão manifestando perplexidade por um acórdão que considerou "repleto de contradições".
Rui Moura, advogado de Tiago e Fong Fong Guerra, confirmou à Lusa que a defesa apresentou já recurso à decisão do coletivo de juízes do Tribunal Distrital de Díli e que terá agora um período para apresentar as alegações.
"A decisão está repleta de contradições. Os mesmos factos são dados como provados e não provados. Há um desconhecimento do Tribunal de Díli sobre vários documentos que estão nos autos, nomeadamente a interpretação desses documentos, incluindo ordens de transferência, tendo chegado a conclusões que não são lógicas", afirmou.
"Não pode o tribunal dar como provado que desconhece o paradeiro do dinheiro e ao mesmo tempo afirmar que o dinheiro esta congelado numa conta em Macau. Como também não pode o tribunal afirmar que Tammy (Fong Fong) efetuou duas transferências para os Estados Unidos e logo a seguir dar como não provado que as transferências não foram efetuadas", frisou, referindo-se a um dos elementos centrais do processo.
Ministério Público pediu a prisão preventiva do casal enquanto decorre o recurso
O Ministério Público pediu a prisão preventiva do casal - enquanto esperam recurso -, um agravamento da atual medida de coação a que se opõe a defesa dos arguidos que estão há quase três anos com termo de identidade e residência (TIR) , passaporte confiscado e proibição de saída do país.
Os dois portugueses foram julgados pelos crimes de peculato, branqueamento de capitais e falsificação documental sendo central ao caso uma transferência de 859 mil dólares (792 mil euros), feita em 2011 a pedido do consultor norte-americano, Bobby Boye.
Boye foi um consultor pago pelo governo norueguês e posteriormente pelo governo timorense e que chegou a ser coarguido neste processo.
O tribunal deu como provado todos os factos da acusação considerando que os arguidos pretendiam com esta operação apropriar-se do dinheiro, dissimulando-o como fundos próprios para exonerar-se da sua responsabilidade criminal.
Os juízes repetiram em muitos casos palavras textuais da acusação num acórdão escrito em português.
Deram como provado que Boye - que defraudou o Estado timorense em milhões de dólares e está a cumprir pena nos Estados Unidos - tinha sido contratado pelo Governo e que o casal de portugueses, antigos vizinhos, sabiam que ele era funcionário.
Determinar que Boye era funcionário era essencial para provar o crime de peculato e, assim, poder provar o crime subjacente de branqueamento de capitais.
Os juízes consideraram provado que os dois arguidos abriram empresas em Timor e em Macau de forma concertada com Boye bem como os factos relativos à transferência e alegado conluio entre os arguidos, e que usaram a conta offshore para despistar a origem do dinheiro.
Para o tribunal a criação da sociedade Olive Macau, a escolha de um território offshore e outros aspetos do caso foram deliberadamente orquestradas pelos arguidos para se apropriarem dos fundos que sabiam que não lhe pertenciam.
Entre os argumentos o tribunal considera que desde que chegaram a Timor o casal abriu muitas contas bancárias em Timor, realizando muitas transferências sem que o seu volume de negócios a tal permitisse.
Considera ainda que o casal abriu sociedades para ocultarem as suas atividades ilícitas de branqueamento de capitais de origem criminosa.
No caso do crime de peculato e de branqueamento de capitais as penas máximas previstas no Código Penal timorense são de 12 anos de cadeia e para o crime de falsificação de documentos a pena máxima é multa ou três anos de prisão.