Estudo da Associação Comercial do Porto propõe a revisão do modelo das aquisições públicas e a deslocalização das entidades reguladoras e tribunais.
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Quase 80% das compras de bens e serviços do Estado são feitas na Área Metropolitana de Lisboa. Os municípios têm fornecedores mais distribuídos pelo país e conseguem poupanças maiores, mas, ainda assim, 40% dos negócios foram fechados com empresas da Região de Lisboa. A Associação Comercial do Porto (ACP) propõe a revisão do modelo das compras públicas, a deslocalização das entidades reguladoras de Lisboa para outras regiões, num plano a implementar em dez anos, e a criação de um centro de competências da justiça em Coimbra.
As propostas resultam do estudo da Universidade do Minho, coordenado pelo investigador Fernando Alexandre, sobre assimetrias e convergência regional. O trabalho, elaborado a pedido da ACP e que será apresentado na terça-feira, reflete que o centralismo está presente até no local onde se fazem as compras para as entidades públicas. Ao privilegiar os fornecedores instalados na capital, o Estado está a induzir o "crescimento da região mais rica do país", advertem os investigadores, sublinhando que a política de aquisição de bens e serviços é um "importante instrumento" para o combate ao desemprego, o estímulo à inovação e a "promoção de oportunidades para as pequenas e médias empresas".
Os investigadores Fernando Alexandre, João Cerejeira, Miguel Portela, Miguel Rodrigues e Hélder Costa avaliaram 85005 contratos, registados na base de contratos públicos online e celebrados em 2016 por 1705 entidades públicas (central e local) com mais de 15 mil empresas. Essas entidades gastaram 3,48 mil milhões de euros.
Da análise a que o JN teve acesso, concluíram que 77% das vendas à Administração Central foram feitas por empresas da Área Metropolitana de Lisboa, apesar de 51% das entidades do Estado para quem os bens e os serviços foram adquiridos funcionarem no Centro e no Grande Porto. Só 37% dos organismos do Estado com contratos celebrados em 2016 estão instalados na capital.
Centrais não poupam
A desproporção é menor na Administração Local. Ainda assim, os municípios fecharam 40% dos negócios com empresas da Região de Lisboa. Para o Norte e o Centro, foram 32% e 21% das vendas, respetivamente. Em detalhe, é interessante verificar que as câmaras do Norte e do Centro gastam mais nas suas regiões, enquanto as autarquias do Alentejo e do Algarve fazem a maior parte das compras na capital.
O presidente da ACP, Nuno Botelho, entende que este estudo mostra a desigualdade de oportunidades das empresas no acesso à contratação pública e faz ruir a ideia de que a aquisição através de centrais de compras em Lisboa é mais vantajosa. "O lado pernicioso da questão é que a poupança não se verifica" e as câmaras "compram melhor e mais barato". Os investigadores constataram que, em 5,7% dos contratos celebrados pela Administração Central, o Estado pagou mais do que o valor contratado. Isso sucedeu em 3,6% dos contratos fechados pelos municípios.
Daí que a ACP proponha que parte das compras do Estado passe a ser efetuada pelas autarquias, sendo indispensável eliminar as barreiras das pequenas e médias empresas no acesso à contratação pública. Também a deslocalização das entidades reguladoras da capital para outras regiões, num plano a concretizar em dez anos, "ajudaria a promover uma maior independência face ao poder político, económico e administrativo", defende Nuno Botelho, ressalvando que o "objetivo não é colocar organismos no Porto".
Outras propostas são a criação do conselho das regiões na AICEP para analisar os projetos de investimento mais relevantes e a relocalização do Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas, Provedoria da Justiça e Supremo Tribunal de Justiça em Coimbra.