
Maria João Gala / Global Imagens
Os adolescentes em famílias de acolhimento em Portugal têm uma qualidade de vida muito próxima da generalidade das crianças. Esse sentimento não é partilhado pelos jovens institucionalizados, cujos níveis de bem-estar são substancialmente mais baixos.
No entanto, o Governo, ao arrepio da lei e em contraciclo com boa parte dos países europeus, continua a dar preferência ao acolhimento em residências, onde estão 87% dos menores à guarda do Estado.
Só 246 (3%) crianças e jovens que o Estado protege estão a ter o direito a crescer numa família, e são cada vez menos. Portugal destoa na Europa, até entre países do Sul. Em Espanha e em Itália, mais de metade dos menores sob o cuidado do Estado encontram-se em famílias de acolhimento. Irlanda e Noruega apresentam taxas que rondam os 90%.
A lei portuguesa de proteção de crianças e jovens em perigo determina que se privilegie o acolhimento familiar, sobretudo para menores de seis anos. O último relatório CASA, divulgado em novembro, mostra que há 652 crianças até aos cinco anos em instituições generalistas e apenas 18 a viver em famílias. E não há data para que se comece a cumprir a lei, já que a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, declarou que o Governo não se sente seguro quanto a aumentar o número de crianças em acolhimento familiar, enquanto não tiver meios para fiscalizar. O JN quis saber o que está a ser feito para dotar a Segurança Social de meios, mas o Ministério do Trabalho e Segurança Social não deu resposta.
Avaliação na 1.ª pessoa
Os menores sob a proteção do Estado sentem que vivem pior em lares do que em famílias. A investigação, realizada este ano pela equipa liderada pelo professor Paulo Delgado, da Escola Superior de Educação do Porto, chega a essa mesma conclusão.
"Interessa-nos saber como a criança, enquanto principal protagonista do sistema de proteção, perceciona o seu bem-estar", explica Paulo Delgado. Os investigadores pediram a 422 jovens dos 11 aos 15 anos em famílias tradicionais e em acolhimento familiar e residencial para avaliarem o seu bem-estar em oito domínios: casa, coisas que têm, amigos e outras pessoas, zona onde moram, saúde, gestão do tempo, escola e pessoal. No inquérito, respondido na primeira pessoa, a perceção de qualidade de vida é muito menor nos jovens institucionalizados.
Numa escala de 0 a 10, apresentam um bem-estar geral de 7,61. O índice alcançado pelos menores em acolhimento familiar é de 8,69. Entre as crianças que vivem com os pais, é de 9,05. A maior discrepância na perceção da qualidade de vida entre os menores institucionalizados e os outros dois grupos ocorre quando são chamados a avaliar a casa e a zona onde moram.
Os jovens institucionalizados registam um índice de bem-estar de 6,94 sobre a zona onde moram e de 7,65 sobre a casa em que estão acolhidos. A diferença para os menores em famílias de acolhimento é enorme. Esses jovens avaliam a casa com 9,13 e a zona onde moram com 8,39. Nesses dois parâmetros, a satisfação das restantes crianças é de 9,45 e de 8,46 respetivamente.
"As crianças em acolhimento residencial apresentam um índice de bem-estar subjetivo bastante inferior ao das crianças inseridas na população em geral. Os jovens em acolhimento familiar têm uma perceção do seu bem-estar muito próximo da população em geral. Mais uma vez, prova-se que a resposta do acolhimento familiar é mais adequada para as crianças, até do ponto de vida do menor", frisa Paulo Delgado, assinalando que o Estado não pode isentar-se de cumprir a lei.
