
Ivan Del Val/Global Imagens
Há hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que poderão estar a perder milhões de euros em financiamento por não registarem devidamente informações sobre os doentes internados, nomeadamente doenças preexistentes ou adquiridas durante o internamento.
Uma equipa de investigadores do Cintesis - Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde analisou uma base de dados de seis anos - cerca de um milhão de internamentos no SNS por doenças cardiovasculares e respiratórias - e, comparando hospitais com padrões de complexidade semelhantes, concluiu que há diferenças na forma de codificação dos procedimentos e das comorbilidades (presença de duas ou mais doenças) dos doentes.
"Identificámos um sub-reporte de informação. Encontrámos hospitais que codificam menos hipertensão, menos diabetes e outras comorbilidades do que outros, potenciais falhas que podem ter impacto no financiamento", referiu, ao JN, Júlio Souza, primeiro autor do estudo publicado na revista internacional "Health Information Management Journal".
Segundo o investigador, algumas comorbilidades por reportar poderão resultar "numa perda no financiamento dos hospitais analisados de até cem milhões de euros em seis anos". Por outro lado, pode haver hospitais a receber financiamento a mais devido à prática de "upcoding" (sobrevalorização com vista a melhores pagamentos). Júlio Souza ressalva que todos os casos identificados têm de ser confirmados com auditorias e defende a necessidade de implementar sistemas e metodologias que permitam detetar automaticamente discrepâncias na codificação entre hospitais com padrões de complexidade parecidos.
Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, admite que pode haver instituições que codificam melhor que outras, mas não acredita que tal resulte em perdas de muitos milhões de euros porque há um "bolo para distribuir em função do índice de complexidade" dos hospitais. Além disso, refere, é uma matéria a que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) está atenta e os médicos codificadores têm todos a mesma formação.
Os pagamentos aos hospitais têm por base os Grupos de Diagnósticos Homogéneos (GDH). É através destes que se calcula o índice de complexidade do hospital, que influencia o financiamento. A classificação é feita por médicos codificadores.
Está na altura de alargar a codificação a outros profissionais
Há falta de médicos codificadores no Serviço Nacional de Saúde e os que existem estão sobrecarregados, o que aumenta o risco de erros e subregisto de informação. "Está na hora de refletir sobre a possibilidade de alargar esta competência a outros profissionais de saúde", refere Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, notando que noutros países a codificação clínica não é feita só por médicos. A escassez de médicos para as tarefas têm levado a atrasos nos procedimentos. "É uma matéria que merece ser discutida com a Ordem e a ACSS", diz Alexandre Lourenço.
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O que são os GDH?
Os Grupos de Diagnósticos Homogéneos (GDH) são um sistema de classificação que coloca os doentes em grupos coerentes e similares do ponto de vista do consumo de recursos. Os GDH influenciam o financiamento hospitalar.
Como se faz?
Os médicos codificadores pegam na informação clínica das notas de alta dos doentes e traduzem-na em códigos. Também podem consultar os processos clínicos.
Falhas a montante
Se faltar informação nos processos clínicos, a codificação sai prejudicada. E o erro não é detetado porque o doente já teve alta.
