Após oito anos à frente do Politécnico do Porto, Rosário Gambôa diz ser urgente descongelar as transferências do Orçamento de Estado para o ensino superior. Se a lei tivesse sido cumprida desde 2006, o Porto teria recebido mais cerca de 27%, ou 11,5 milhões de euros
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Com as eleições para a presidência do Politécnico do Porto marcadas para dia 19, Rosário Gambôa assegura que, hoje, a instituição é mais coesa e reconhecida, interna e externamente. Do Governo, espera que autorize os politécnicos a dar o grau de doutor e que rapidamente descongele o financiamento ao ensino superior, para ultrapassar "distorções terríveis" que hoje existem.
Diz que um líder herda uns dossiês e deixa outros. O que deixará ao seu sucessor?
Existe o dossiê transversal de agregar as pessoas, para que se identifiquem com a instituição. Temos projetos em curso, como uma unidade centralizada de investigação, a instalar na Asprela, alguns já com financiamento, outros a serem esboçados. E há a gestão diária da instituição.
Qual é a maior dificuldade com que o ensino politécnico se depara?
Uma das maiores reivindicações, que creio que será rapidamente resolvida (foi uma batalha longa e que passou pelo desmontar de mitos), é a possibilidade de os politécnicos lecionarem o grau de doutor. Um relatório sobre o ensino superior encomendado pelo Governo à OCDE recomenda que os politécnicos o possam dar. Há um caminhar ao nível da opinião pública, da Assembleia da República, dos órgãos de governo e dos próprios politécnicos e universidades. Dar o grau de doutoramento é um caminho natural.
Mas as universidades têm-se oposto... Tem o apoio do Conselho de Reitores?
Não sei, mas conheço muitos reitores que consideram que é justificável e necessário. A procura de formação especializada será cada vez maior, há espaço para todos os estabelecimentos de ensino. Importante é que cada um tenha a sua área de especialização, personalidade, metodologia.
Qual será o próximo passo?
A alteração do regime jurídico das instituições do ensino superior e da lei de bases. Não se trata de os politécnicos ficarem universidades ou de as universidades ficarem politécnicos. A questão é podermos, ao nível das formações, aprofundar o conhecimento. Os politécnicos têm um corpo docente altamente qualificado, na investigação. Por que é que não podemos dar doutoramentos? Só porque nos chamamos politécnico?
Tem alguma indicação do Ministério da Ciência de que esteja para breve?
Não tenho uma indicação concreta, mas julgo que o senhor ministro tem uma posição muito mais favorável do que tinha há uns anos.
Ao conferir o grau de doutor, a instituição dá o seu nome a investigação e tem acesso a financiamento...
...ao qual temos muito mais dificuldades de acesso. É gritante ver pessoas a fazer o doutoramento nas nossas instalações, com os nossos professores e depois o grau é conferido por uma universidade! Não tem o menor sentido. A capacidade de competir em fóruns europeus tem a ver com o histórico de investigação e angariação de financiamento. O facto de termos parcerias com universidades, mas o financiamento não ser atribuído aos politécnicos, impede a acumulação de um histórico necessário à competitividade. E as receitas de Orçamento de Estado têm diminuído de forma dramática. Se nos dizem que temos de procurar fontes alternativas de financiamento, então deixem-nos ter acesso a essas fontes.
É crítica do modelo de financiamento. Porquê?
A lei de financiamento do ensino superior não é aplicada. Face a 2006, o Politécnico do Porto tem mais quase dez mil alunos e menos dinheiro. Tenho-me batido por uma fórmula de financiamento que seja aplicada. Se a atual não é a adequada, que a atualizem e apliquem de forma clara e criteriosa. Há distorções terríveis: tivemos um aumento muito significativo de alunos, quase duplicámos a oferta formativa e não tivemos a menor compensação financeira.
Quanto é que o politécnico teria a receber se a lei fosse aplicada?
Desde 2006, teria mais quase 27% do Orçamento de Estado do que tem.
Até quando é razoável manter o congelamento orçamental?
Precisamos de um horizonte claro, que se concretize progressivamente. Entendemos as dificuldades do país, mas não cruzamos os braços. Há situações dramáticas. Já ultrapassámos o limite da razoabilidade há muito tempo. Todos estão mal, mas os Politécnicos do Porto e o do Cávado e Ave são os piores de todo o ensino superior. Cresceram em alunos mas não em financiamento, são vítimas do seu próprio sucesso. Somos a quinta maior instituição e a quarta em termos de atratividade: 99,6% dos alunos escolhem-nos primeiro a nós.
Diz que se ultrapassaram os limites da razoabilidade. Está na altura de tornar o protesto público?
Temos construído com a tutela concertações, mas nem sempre se concretizam ao nível do Ministério das Finanças. O diálogo tem funcionado, somos ouvidos, mas não há eficácia na resposta. É óbvio que as instituições têm de apresentar reivindicações, até porque quem está a ser lesado não são só os funcionários e docentes (que têm mais trabalho e menos compensações), são os estudantes.
O Governo já transferiu as verbas relativas às atualizações salariais?
Algumas instituições começaram a receber parte do valor devido, no final do ano. O Politécnico do Porto recebeu pouco mais de um milhão e devíamos ter recebido um pouco mais. Esta não é a melhor altura, porque o dinheiro tende a transitar em saldos, é mais difícil a sua operacionalização. Sei que há universidades ainda em negociações, mas há um conjunto de novos compromissos para 2018 que não estão ainda salvaguardados. No Porto, o levantamento do impacto das progressões na carreira indica que são uns milhões de euros (temos cerca de duas mil pessoas). Estamos a analisar o impacto para comunicar à tutela.
Como interpreta propostas como a do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos - e que levou Porto Coimbra e Lisboa a abandoná-lo - para que o acesso aos politécnicos seja facilitado?
Essa proposta provocou uma clivagem, mas não avançou. Diz sobre o desespero por falta de alunos de algumas instituições, em particular do interior. O despovoamento também está patente nas instituições do ensino superior e, na procura desesperada por alunos, às vezes há a tentação de descer as notas, de facilitar o acesso. Não é o melhor caminho quando se procura qualificar o ensino. Devemos encontrar mecanismos de valorização do interior que passem pela sua diferenciação. Se fizerem todos o mesmo, a competitividade dos territórios é muito pequena. O grande segredo de uma rede é a capacidade de cada um de ter uma posição própria dentro dos nós da rede. A sua capacidade de afirmação, seja do litoral ou interior, é tanto mais competitiva, quanto mais se diferenciar. Não podemos repetir as mesmas áreas, não pode haver competição entre as instituições do interior e do litoral.
E entre o universitário e o politécnico?
Para mim, em termos reais, a distinção não existe. A grande distinção é o grau de doutoramento.
Os Cursos Técnicos Superiores Profissionais, de dois anos, vão na terceira edição e com adesão crescente por parte dos alunos. Vê-os como positivos para o politécnico?
Vejo-os como positivos para o país. Têm é estado dependentes de financiamento do Portugal 2020, que sofre muitos atrasos, constrangimentos, instabilidades. Da edição de 2016/17, muitos estão por pagar. Essa instabilidade não motiva as instituições a planear os cursos de forma atempada. Muitas vezes ficam penduradas com problemas financeiros graves. Os cursos são bastante interessantes, a sua natureza profissionalizante e modelo de formação articulado com o tecido empresarial deviam ser reforçados. São também uma melhor via de acesso dos alunos do técnico profissional para o superior, é menos agressiva do que fazer os exames nacionais. Permitir aos alunos do ensino técnico profissional o acesso ao superior de uma forma mais adequada à sua formação é legítimo.
O ensino superior está a preparar os jovens para o trabalho do futuro?
O modelo formativo tem de mudar, de preparar pessoas com competências transdisciplinares, transversais. Tem de entrar noutras áreas, não ter uma visão tão hierarquizada e departamental. Já temos vários cursos destes no Politécnico do Porto. Reconheço que é mais difícil nas licenciaturas e mestrados, porque têm uma estrutura curricular regulada.
Que balanço faz dos seus mandatos?
Construímos um Politécnico mais dinâmico, que se conheceu a si mesmo e passou a ser conhecido, externamente. Temos oito escolas, organizadas em três campus, com um perfil identitário forte e uma marca distintiva e conhecida. Somos reconhecidos como parceiros e somos parceiros efetivos. Temos voz própria e fomos capazes de marcar a agenda política.