
Adelino Meireles / Global Imagen
A falta de médicos está a provocar o "caos" nas urgências de ginecologia/obstetrícia no Norte do país, tal como sucede na zona de Lisboa.
Numa carta que vai ser enviada à ministra da Saúde, Marta Temido, e à Administração Regional de Saúde do Norte (ARS/Norte), 13 diretores do serviço avisam que, se continuarem impedidos de contratar novos profissionais, "não será possível garantir as urgências nos meses de julho, agosto e setembro".
A "situação caótica" em que se encontram os serviços em 13 maternidades do Norte do país, devido à escassez de recursos humanos, foi analisada por vários diretores dos serviços de obstetrícia e ginecologia da Região Norte, depois de se terem reunido, no passado dia 13, nas instalações da Ordem dos Médicos, no Porto.
"fuga" para o privado
Os responsáveis clínicos, que se intitulam "Grupo de Reflexão da Saúde da Mulher do Norte", decidiram enviar uma carta à tutela e à ARS/Norte a reclamar sobre a distribuição de vagas. Segundo apurou o JN, a missiva será subscrita por diretores dos serviços públicos de ginecologia e obstetrícia de Braga, Bragança, Famalicão, Guimarães, Paredes, Porto, Santa Maria da Feira, Viana do Castelo e Vila Real.
José Manuel Furtado, diretor do Serviço de ginecologia/obstetrícia do Hospital Nossa Senhora da Oliveira, em Guimarães, confirma que a reunião ocorreu, tendo servido para expor à ARS Norte e ao Governo "alguma perturbação" resultante da falta de recursos humanos nos hospitais do Norte, uma vez que "os quadros não estão a ser renovados".
Na base dessa não renovação, explica José Manuel Furtado, está a falta de vagas, mas também a falta de médicos que "vão para o estrangeiro ou para o serviço privado, que oferece melhores condições". Uma situação que se vive, por exemplo, no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos.
Regime de contingência
O diretor do serviço de Guimarães garante que uma solução como a encontrada em Lisboa, onde quatro urgências vão fechar de forma rotativa, será "apenas um recurso", como uma "última medida para ultrapassar as dificuldades".
O JN sabe, contudo, que alguns serviços da Região Norte já estarão a funcionar "em regime de contingência". Uma situação que se deverá agravar durante o verão, devido ao gozo de férias por parte dos médicos. Segundo o grupo de reflexão, "não será possível garantir as urgências nos meses de julho, agosto e setembro", se houver um aumento da procura, como costuma acontecer todos os anos.
Contactada pelo JN, a diretora do serviço de ginecologia e obstetrícia da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM) e membro da Comissão Nacional de Saúde da Mulher e da Criança, Paula Pinheiro, adiantou que a movimentação das maternidades nortenhas "já existia, mas ganhou força desde que foi publicado o mapa de vagas com apenas quatro para toda a região".
Paula Pinheiro confirma a "situação crítica" na maioria dos serviços e alerta para as consequências da escassez de médicos especialistas, no atendimento em contexto de urgência e de assistência à saúde materna. "A situação é de crise no Norte, mas é extensiva a todo o país", declarou. A ARS/Norte garante, contudo, não ter conhecimento de qualquer problema.
Pormenores
Partidos chamam ministra - O fecho rotativo de quatro maternidades em Lisboa suscitou críticas da Ordem dos Médicos e levou PCP, BE e PSD a solicitar a audição parlamentar urgente da ministra da Saúde e da Administração Regional de Saúde.
Situação já vem de 2018 - No ano passado, já ocorreram constrangimentos em várias unidades de saúde, que começaram em Portimão e arrastaram-se para Beja, Setúbal, Barreiro e para a Maternidade Alfredo da Costa, que está incluída no sistema de fecho rotativo de urgências de obstetrícia de Lisboa.
Beja em risco de fechar - Há uma semana, foi à ultima hora que a administração da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo conseguiu escalar um segundo especialista para assegurar o normal funcionamento do serviço de urgência de ginecologia/obstetrícia, evitando o seu encerramento no verão.
Fechos rotativos em Lisboa - Anteontem, soube-se que quatro hospitais de Lisboa iriam encerrar rotativamente as suas urgências de ginecologia/obstetrícia, devido também à falta de médicos para dar resposta à procura no verão. A situação levou o presidente da República a exigir explicações do Governo.
Região Norte ficou com quatro de 45 vagas
Nos hospitais públicos do Norte abriram, este ano, apenas quatro vagas para médicos com a especialidade de ginecologia/obstetrícia, num total de 45 em todo o país. A "assimetria" na distribuição das vagas está a revoltar os responsáveis pelos serviços e maternidades da região e as queixas não param de chegar à Ordem dos Médicos (OM).
No concurso de janeiro, abriram 14 vagas para ginecologia/obstetrícia e no de maio já foram 31, das quais quatro são "vagas de perfil" (características muito particulares de currículo). Do total de 45, apenas 9% foram para os hospitais do Norte, que dão resposta a uma população estimada de 3,7 milhões de utentes, mais do que Lisboa e Vale do Tejo (3,6 milhões).
"Os médicos estão revoltados e espero que o Ministério da Saúde tenha uma fundamentação válida para isto", afirmou, ao JN, o bastonário da OM, realçando que a falta de equidade "terá consequências" porque os serviços de ginecologia/obstetrícia do Norte também têm grandes carências de médicos.
Perante as queixas, a OM aprofundou a análise e concluiu que entre 2016 e 2019 formaram-se em média 45 especialistas, mas abriram apenas 30 vagas por ano. Ou seja, conclui Miguel Guimarães, estão a desperdiçar 15 especialistas por ano, o que é incompreensível" porque é uma área muito carenciada. Pior, "das vagas abertas em média só 15 foram efetivamente ocupadas", acrescenta o bastonário. E isso acontece por razões várias, nomeadamente atrasos na abertura dos concursos, propostas aliciantes no setor privado e estrangeiro.
Pedro Hispano obrigado a recorrer a dois tarefeiros
O Hospital Pedro Hispano reconhece, ao JN, que está "com algumas dificuldades em assegurar a escala de serviço" no serviço de obstetrícia, o que se deve à saída de profissionais, ora por motivo de reforma ora por optarem por trabalhar no setor privado. Acresce que aquela unidade de saúde, à semelhança de outras do país, enfrenta dificuldades em contratar novos profissionais. A situação já foi relatada à tutela. Para minimizar a carência, até que exista autorização para contratar, o Pedro Hispano vai recorrer a serviços médicos em regime de prestação de serviços. Por exemplo, duas das médicas internas vão trabalhar como tarefeiras.
Aberto concurso para reforçar região do Algarve
A Administração Regional de Saúde do Algarve abriu concurso para a contratação de médicos durante o período de verão, num modelo excecional de mobilidade temporária, que contempla alojamento, ajudas de custo e dispensa o acordo do serviço de origem. As condições, publicadas nos portais do Serviço Nacional de Saúde, visam a contratação de clínicos para anestesiologia, cardiologia, ginecologia/obstetrícia, medicina geral e familiar, medicina interna, nefrologia, neurocirurgia, oftalmologia, oncologia, ortopedia, pediatria e urologia.
A adesão a este regime é voluntária, "dependendo sempre da apresentação de candidatura".
