
Pedro Correia/Global Imagens
Os negócios em Portugal de compra e venda no setor privado da saúde atingiram um valor aproximado de seis mil milhões de euros entre 2005 e 2018.
A cifra tornada pública pelas partes cobre perto de duas dezenas de operações e ronda os dois mil milhões de euros, mas Hermano Rodrigues, especialista da consultora EY, admite que o conjunto das cerca de 50 operações ocorridas terão um valor três vezes superior. O montante em causa equivale a 60% da verba dedicada à Saúde no Orçamento do Estado do setor para 2019.
Crivo da concorrência
Os dados da Autoridade da Concorrência (AdC), cedidos ao JN, confirmam o estado de ebulição deste ramo da economia. Desde 2010, houve 53 operações comunicadas e apreciadas pelo regulador, 32 delas ligadas ao setor farmacêutico. As outras dizem respeito a compras de hospitais e clínicas. E a AdC apenas aprecia as operações com empresas que faturem mais de cinco milhões por ano ou 100 milhões no conjunto das partes envolvidas.
"Nos últimos 15 anos, não houve uma redução do número de hospitais privados, antes houve um aumento e mesmo uma maior dispersão por todo o país. Há muitos exemplos de hospitais privados que foram criados ou estão em construção em cidades de média dimensão, inclusive do interior do país, e tem havido mesmo uma expansão para a Madeira e Açores. O INE revelou recentemente que pela primeira vez há mais hospitais privados do que públicos em Portugal", refere Óscar Gaspar, presidente da Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP).
Os hospitais ocupam a fatia de leão dos negócios da saúde. No entanto, muitos dos grupos envolvidos, nomeadamente a José de Mello Saúde (hospitais Cuf), optaram por não tornar públicas as cifras envolvidas. A Espírito Santo Saúde, depois designada Luz Saúde, foi vendida por 750 milhões de euros, valor indicativo para um negócio deste tipo. O Hospital Senhor do Bonfim, o maior do país do setor privado, foi há dias vendido ao Trofa Saúde, outro grande grupo nacional que não costuma divulgar o valor dos seus negócios.
A saúde financeira dos grandes grupos hospitalares parece estar assegurada, apesar dos gastos em aquisições e fusões. O Grupo José de Mello teve um rendimento operacional (parecido com conceito de "volume de negócios") de 637,4 milhões de euros em 2017 e a Luz Saúde de 483 milhões. O Lusíadas Saúde e o Trofa da Saúde recusam revelar os seus dados, mas o primeiro grupo tinha um volume de negócios acima dos 100 milhões de euros em 2014 e o segundo um pouco abaixo daquele limiar.
"A atividade dos hospitais privados tem aumentado entre 3% e 6% ao ano. Em 2017, a taxa de crescimento ter-se-á mantido positiva. Concluímos que os portugueses confiam crescentemente nos hospitais privados", sublinha Óscar Gaspar. Um dos pontos fortes do privado reside no setor segurador. "Os seguros de saúde devem representar cerca de 40% da atividade dos hospitais privados", confirma.
22,8 milhões de euros
Valor do resultado líquido da José de Mello Saúde em 2017, um grupo que dá emprego a mais de oito mil pessoas.
17,2 milhões de euros
A Luz Saúde, antiga Espírito Santo Saúde, teve um lucro de 17,2 milhões em 2017. Emprega mais de seis mil pessoas.
Perguntas e respostas
Hermano Rodrigues (Director na EY-AM&A business unit da EY)
O valor declarado dos negócios no setor privado da saúde foi superior a dois mil milhões de euros entre 2005 e 2018. Estima que o valor global seja o triplo do divulgado?
Considerando algumas operações importantes relativamente às quais se desconhece os valores de transação, não me parece disparatado o multiplicador que refere como base mínima.
Sem as PPP, a vida dos privados seria muito mais difícil?
Nos dois principais grupos de hospitalização privada em Portugal [José de Mello e Luz Saúde], o peso das PPP é realmente importante, pelo que concordo que, sem PPP, certamente que o nível de atividade destes grupos seria menor e o seu espetro de atuação no mercado da saúde seria mais restrito. Mas, acima de tudo, o que se perderia seria a diversidade de atores com atuação no mercado da saúde nacional, que é importante em Portugal e em qualquer sistema de saúde. A realidade nacional - caracterizada por saúde (maioritariamente) pública, saúde privada e saúde público-privada - é salutar.
O crescimento do setor privado é positivo financeiramente para o Estado e negativo para o utente?
O crescimento do setor privado da saúde resulta largamente de respostas empresariais a necessidades que não são devidamente satisfeitas (em quantidade ou qualidade) pelo SNS, bem como da dinâmica empreendedora e criativa que tipicamente caracteriza a iniciativa privada. Nesse sentido, se tal não acontecesse, certamente que parte dos portugueses estaria pior. A resposta do setor privado da saúde em Portugal tem sido especialmente importante nos anos recentes de crise que assolaram o nosso país, dada a necessidade de reduzir fortemente a despesa pública portuguesa. Outra questão é o acesso da população à saúde privada. A esse nível, de facto, o crescimento do privado poderá ser negativo para os utentes com menor capacidade económica, mas isso decorre do modelo como o nosso sistema nacional de saúde está organizado.
