
Rodrigo Cabrita/Arquivo
Em apenas três anos, surgiram 1968 clínicas dentárias em Portugal - o que dá uma média de 55 por mês -, muitas delas de grande dimensão, pertencentes a grupos empresariais sonantes e instaladas em centros comerciais muito frequentados. A Ordem dos Dentistas teme pela saúde dos clientes.
Corpo do artigo
A oferta de dentistas cresceu e a concorrência provocou um frenesim de promoções, pelo menos para as intervenções mais simples. O bastonário da Ordem dos Dentistas, Orlando Monteiro da Silva, alerta para a "publicidade enganosa" e para as intervenções prometidas a preços de saldo, criticando a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) por falta de atuação. Há recém-formados a aceitar trabalhar por quatro euros à hora (ou até menos) para esses consultórios. E quem considere que a profissão está a atravessar uma fase de desvalorização.
De acordo com a ERS, foram emitidas 674, 615 e 679 licenças para abertura de clínicas dentárias, em 2016, 2017 e 2018. A soma perfaz 1968, sendo que atualmente estão autorizados a funcionar 6514 consultórios.
O regulador diz que não é possível extrair o valor final de estabelecimentos abertos de anos anteriores para efeitos de comparação. Em três anos, as licenças atribuídas correspondem a 30% do universo total. Sendo que é preciso ter em conta que o mercado tem sido dinâmico e registado insolvências. Os consultórios pequenos terão enfrentado dificuldades na reação à concorrência.
Um médico dentista, que prefere o anonimato, diz que nunca houve tantas clínicas dentárias e com a escala atual, inseridas em megaempresas e pulverizadas por múltiplos locais. E assegura que é cada vez mais difícil manter um consultório particular. As promoções também nunca foram tão apelativas e, com apoio de certos pacotes de seguro, resumem-se a custos quase zero.
O que se está a passar, descreve, traduz a entrada de milhares de novos licenciados no mercado (o número de cursos duplicou em 20 anos, sendo atualmente sete) que, sem condições para abrirem o próprio consultório, aceitam trabalhar nestas empresas por uma percentagem mínima, que pode chegar a 20% do valor do tratamento, o que é confirmado pelo bastonário. Como uma destartarização a preço "low-cost" pode custar 20 euros, o dentista pode ganhar quatro euros. "Há quem esteja a trabalhar por um vencimento muito baixo nos tratamentos generalistas, que são os mais promovidos", diz. "Estamos a assistir a uma grande desvalorização da profissão", declara o médico.
Desconfiar dos preços
O bastonário, Orlando Monteiro da Silva, alerta para a "publicidade enganosa, com tratamentos e técnicas classificados como "inovadores", que são efetuados, de forma geral, por todos os médicos dentistas e que de inovadoras nada têm", com "promessas de resultados que não podem ser cumpridas e garantias de tratamentos que não podem ser dadas". E deixa um aviso: "A Ordem dos Médicos Dentistas aconselha os consumidores a desconfiar do que é gratuito".
Questões a reter
Pagos a preço de saldo - Segundo a Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), que se baseia num Estudo de Empregabilidade 2018, a percentagem de médicos dentistas que recebem menos de 19% por tratamento é de 3% e entre 20% e 29% é de 13%. A grande maioria, cerca de 60%, está formada há menos de dois anos. A OMD alerta que deve sempre ser tido em conta o valor do procedimento.
1033 habitantes - O bastonário alerta para o facto de existir um médico dentista ativo para 1033 habitantes, quando a Organização Mundial de Saúde recomenda um rácio de um dentista para cerca de 1500/2000 habitantes. Daí que a Ordem tenha vindo a recomendar a adaptação a esta realidade e maior aposta na formação pós-graduada.
18 incorreções - No que se refere a queixas junto da Entidade Reguladora da Saúde, entre janeiro de 2017 e 30 de abril de 2019 deram entrada 2957 queixas visando prestadores de cuidados de saúde com as valências de medicina dentária e estomatologia. Ou seja, 105 por mês. Destas, 2792 casos foram analisados e 12 não estavam conformes aos requisitos legais. 2546 foram arquivados. Em 10 anos (de 2009 a 31 de maio de 2019), contaram-se 9151, mas apenas 18 necessitaram de atuação suplementar.
Crescimento das queixas - O Portal da Queixa regista 63 reclamações do setor em 2017, 108 em 2018 e 61 em 2019, até 11 de junho. Comparando com período homólogo de 2018, cresceram 65%.
