A venda de medicamentos com substância ativa metilfenidato, conhecida por ritalina, voltou a aumentar.
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A subida no número de unidades dispensadas em farmácia sucede a uma fase de quebra, registada desde 2015, ano em que soou o alarme para o elevado consumo do "comprimido da concentração" por crianças em Portugal. Profissionais da área da saúde e da educação admitem que há pressão junto dos médicos para a prescrição. O consumo cai durante os meses de férias escolares (ver infografia).
Em nove anos, a prescrição terá crescido para mais do dobro, indica a consultora IQVIA: de 133 mil unidades, em 2010, para 288 mil, em 2018. Após 2015, registou-se uma quebra até 2017 (287 mil unidades). No último ano, porém, a venda subiu: 288 mil unidades.
O psicólogo e professor universitário Eduardo Sá chama a atenção para o facto da venda do fármaco se reduzir em férias. Em agosto, o consumo cairá quase um terço face a janeiro. Questiona se estamos perante um tratamento, uma vez que nas férias não se torna imprescindível, e pede esclarecimentos: "Seria razoável que a questão sensível - que abrange tantas crianças - merecesse posição da Direção-Geral da Saúde".
Ana Filipa Mendes, psicóloga e especialista em perturbação de hiperatividade com défice de atenção, PHDA, que recebe crianças encaminhadas pela Associação Portuguesa da Criança Hiperativa, tem-se deparado com um certo "facilitismo ao nível do diagnóstico da perturbação", a qual se inicia, quase sempre, pela sinalização dos professores. "Normalmente, o problema é levantado pelos professores que estão com dificuldade em lidar com a criança". Os pais começam a ser chamados constantemente à escola e o drama alastra à vida familiar. Filinto Lima, presidente da associação de diretores escolares, tem observado "a pressão dos pais para a medicação junto das classes médicas", mas também conhece o seu contrário: pais que recusaram a administração da ritalina, apesar de prescrita.
"NÃO CURA, CONTROLA"
O neuropediatra Luís Borges admite que há um conjunto de pressões, por parte dos pais e das escolas, nem sempre assumidas e literais, para que se avance para a medicação. "Não põem uma pistola na cabeça, mas recorrem a argumentos com esse sentido". Luís Borges não medica quando a criança tem cinco ou seis anos. Confia que a professora do 1.º ciclo consiga compreender o aluno e é isso que costuma verificar. Tem relutância em medicar, mas se os sintomas causam muitos danos na aprendizagem, em casa, na convivência social, parte para o fármaco. O médico deixa bem claro que "a medicação não cura, controla". E aponta o dedo às escolas: as maiores exigências escolares contribuem para o problema.
Luís Godinho, responsável pela educação especial numa escola, considera que os professores não estão preparados para estes alunos. "Muitas vezes, é preciso mudar a alimentação, reduzir estimulantes, chocolates, criar ambientes de trabalho calmos, fazer pausas e dar tempo para descontrair entre atividades. Na sua escola, há sessões de relaxamento e sessões de meditação diárias e são escassas as crianças que tomam medicação.
Pormenores
Hiperatividade - A perturbação da hiperatividade manifesta-se por agitação motora, impulsividade, dificuldade em adequação às tarefas e, na maior parte dos casos, associa-se a défice de atenção e à perturbação de oposição, aspetos que dificultam o relacionamento da criança.
Diagnóstico - Segundo Ana Filipa Mendes, o diagnóstico é um processo complexo e por isso deve ser feito por equipa multidisciplinar: pediatra do desenvolvimento, pedopsiquiatra, psicóloga. Os critérios estipulam ainda seis meses de permanência dos sintomas.
Ver visão e audição - Prévio à hipótese de PHDA, defende a psicóloga, devem despistar-se falhas de audição e visão, que podem potenciar comportamentos irrequietos; e ponderar outros diagnósticos, como a depressão infantil.
Sucesso - A ritalina tem eficácia em 90% dos casos, indica Luís Borges. "Eficácia imediata. É tiro e queda". A PHDA pode desaparecer na fase adulta. "Está presente em 7%/10% das crianças, em 8%/9% dos adolescentes e em 5% dos adultos".