O salário médio no setor público cresceu ao dobro do ritmo registado no privado entre 2011 e 2017.
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O desemprego que grassou nos anos posteriores à intervenção da troika - cujos efeitos ainda se fazem sentir por via de salários mais baixos de entrada ou regresso ao mercado de trabalho - e o peso dos precários, que é o dobro no setor privado comparativamente à Função Pública, são apenas duas explicações possíveis.
O salário médio da Função Pública era de 1384,7 euros em outubro de 2011. Seis anos mais tarde, a remuneração base do Estado, que dá emprego a 671 082 portugueses, tinha progredido quase 6%, situando-se em 1460,7 euros (dados mais recentes apontam já para 1468 euros). No privado, a média salarial dos cerca de quatro milhões de trabalhadores com descontos para a Segurança Social progrediu 3% entre 2011 e 2017, situando-se nos 913 euros.
Benefícios
Em setembro deste ano existiam mais de 671 mil funcionários públicos. Correspondem a perto de 14% de todos os empregados por conta de outrem em Portugal e, apesar dos cortes e alterações dos últimos anos, ainda gozam de alguns benefícios que os trabalhadores do setor privado não têm. E no próximo ano haverá uma diferença adicional: o salário mínimo (ler ficha sobre duas questões-chave).
As diferenças explicam-se também por qualificações mais altas e antiguidade média mais elevada. A qualificação média mais elevada decorre da concentração de profissões no Estado que exigem pelo menos uma licenciatura: médicos, professores, magistrados, técnicos superiores das administrações públicas, entre outros exemplos possíveis. A questão da antiguidade prende-se com a estabilidade do funcionário público do quadro. O despedimento é raro e só se concretiza perante casos graves (injúrias ou desvio de dinheiro, por exemplo).
As comparações de universos tão díspares em dimensões - o privado tem seis vezes mais trabalhadores - e regras são sempre complicadas e polémicas. "O setor privado é caracterizado por uma heterogeneidade muito maior em termos de condições laborais, pelo que comparações apenas pelos valores médios acabam sempre por ser muito limitadas", sublinha João Cerejeira, professor na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho.
A austeridade que decorreu da intervenção de troika em Portugal causou danos tanto no privado como no público, nomeadamente através da sobretaxa de IRS. "No Estado, as profissões com piores remunerações sofreram menos durante a crise e esse leque alargou-se quando se criou a regra de cortar só naqueles que ganhavam 1500 euros ou mais", refere Eugénio Rosa, economista da CGTP.
férias e horário
Há 22 dias de férias para todos. No entanto, no caso do setor privado, o número de dias pode aumentar dependendo dos acordos coletivos e de empresa. Já os funcionários públicos ganham um dia de férias por cada dez anos de serviço. Quanto ao horário semanal, a Função Pública chegou a trabalhar 40 horas (2013-2017), mas regressou progressivamente às 35 horas.
Explicador
Porquê 635 euros? Neste momento, o nível salarial mais baixo no Estado é o 3.o, correspondente a 583 euros (mais três euros do que o salário mínimo). Quando o salário mínimo nacional subir para 600 euros (2019), aqueles trabalhadores da Função Pública passarão para o nível remuneratório seguinte, o 4.o, que equivale a 635 euros. Ou seja, o valor decorre das regras e não de um favorecimento do Governo ao Estado.
Estado paga mais? Ganha-se mais no Estado do que no privado? Em média, sim. No entanto, há uma maior concentração de trabalhadores qualificados num universo mais pequeno (ler quadro). Em 2013, um estudo da Mercer concluiu que os cargos de topo e de direção intermédia tendem a ser mais bem pagos no privado, mas quando se desce na hierarquia verifica-se que as funções de menor responsabilidade têm salários mais elevados no Estado. A antiguidade é também mais valorizada no Estado.
Função Pública paga pior aos quadros mais qualificados
Como se explica uma evolução mais acelerada do setor público ao nível dos salários médios?
As mutações no mercado de trabalho durante o período mais crítico da crise (2011-2013) provocaram uma descida nesse indicador, uma vez que os ordenados de quem perdia o emprego eram em média superiores aos salários das novas contrações. Na Função Pública, o crescimento só ocorreu nos anos mais recentes pela eliminação dos cortes. Por outro lado, as entradas na Função Pública foram reduzidas, o que limitou a moderação salarial induzida pelos menores salários à entrada.
A precariedade é menor no Estado por algum motivo específico?
O facto da precariedade ser menor no Estado reflete uma estrutura etária mais envelhecida à qual se associa uma antiguidade na profissão maior em comparação com o privado. Por outro lado, o tipo de profissões e de setores de atividade da Administração Pública é muito diferente. Eventualmente, no setor privado encontramos um peso maior dos setores onde a contratação a prazo é maior.
Ainda se justifica o fosso público/privado?
A tendência nas últimas décadas tem sido de maior convergência. Porém, se por um lado as condições em termos de tempos de trabalho e segurança no emprego parecem ser mais favoráveis no setor público, os salários médios dos trabalhadores mais qualificados no setor público tendem a ser inferiores aos do setor privado.