
Região da capital tem metade dos concelhos onde mais se ganha
Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Cidade de Lisboa ultrapassa em 448 euros (39%) a média salarial do país de 1131 euros. Norte tem sete dos dez concelhos onde se paga pior, segundo dados oficiais.
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A Área Metropolitana de Lisboa (AML) é a única região do país onde a remuneração-base e o ganho - inclui extras - médios mensais dos trabalhadores do setor privado superam a média nacional, enquanto no Norte estão sete dos dez concelhos onde pior ganham os funcionários por conta de outrem do setor privado.
Concretamente, no concelho de Lisboa, a remuneração média mensal, situada nos 1294 euros, é 354 euros (37,6%) superior à média nacional de 940 euros. Já no ganho médio mensal, que inclui subsídios regulares e horas extra, Lisboa ultrapassa em 448 euros (39%) a média nacional de 1131 euros.
Segundo dados da Segurança Social relativos a 2017, fornecidos ao JN, no extremo oposto estão concelhos bastante abaixo da média. Sete dos dez municípios onde pior se paga ficam na Região Norte. Celorico de Basto (640 euros), Penedono (645 euros), Mondim de Basto (646 euros), Resende (646 euros), Vinhais (657 euros) Lousada (658 euros) e Sernancelhe (664 euros) têm remunerações-base mensais quase 30% abaixo da média nacional e nem com subsídios, prémios ou horas extraordinárias perdem o estatuto de "mais pobres".
Dos 24 concelhos onde os ganhos estão acima da média nacional, metade ficam na AML: Lisboa é um bom exemplo (1579 euros), destacando-se Alcochete pelo valor anormal (2331 euros). Destaque para Sines (1733 euros), Castro Verde (1737 euros) e Campo Maior (1209,2 euros), no Alentejo, onde a forte industrialização faz a diferença.
Exportar com valor
Carballo-Cruz, economista e professor na Universidade do Minho, salienta que, entre as diversas explicações para as assimetrias salariais em Portugal, como a produtividade e o tipo de emprego de cada região, pesa bastante "a tipologia e o tamanho das empresas, uma vez que as multinacionais e as exportadoras pagam melhores salários".
Para o especialista, embora "o Norte tenha um peso grande nas empresas exportadoras e nas exportações nacionais", o que acaba por fazer mais diferença nos salários é "o tipo de produtos exportados e o seu valor acrescentado". Isto é: "Os serviços são mais valiosos do que os produtos industriais". E os serviços tendem a concentrar-se onde estão sediados os ministérios e os tribunais, onde há emprego mais qualificado.
CONCEITOS
Remuneração-base
Valor bruto (antes da dedução de quaisquer descontos) em dinheiro e/ou géneros pago por mês.
Ganho
Inclui remuneração-base, prémios e subsídios regulares e remuneração por trabalho suplementar.
Emprego público ajuda a subir salários em Lisboa
Maior desconcentração do Estado, onde o ganho médio é 53% superior, ajudaria a puxar remunerações do privado
Os cerca de 690 mil funcionários públicos portugueses ganham em média 1728,3€ mensais, mais 53% do que a média no setor privado (1131€). Se não houvesse uma concentração da Administração Pública na capital, os salários do privado até poderiam ser alavancados, devido a um efeito de arrasto: o Estado precisa dos produtos e serviços das empresas.
João Cerejeira, professor na Universidade do Minho, nota que a desconcentração de serviços do Estado poderia ter um efeito positivo no combate às assimetrias. "A deslocalização de entidades públicas poderá ter um impacto positivo na procura de trabalho de empresas locais, através das compras de bens e serviços efetuadas por estas instituições públicas, onde a componente local das mesmas continua a ser relevante", afirma.
O principal efeito do emprego público sobre os salários do setor privado seria contribuir para o aumento dos vencimentos, especialmente os mais baixos, que poderiam sofrer mais procura se os serviços do Estado se deslocalizassem. "Maior procura por parte do setor público implicará que o setor privado tenha de subir os salários para poder competir pelos mesmos trabalhadores ", simplifica João Cerejeira.
"A desigualdade regional dos salários em Portugal reflete, em primeiro lugar, uma distribuição assimétrica dos fatores que determinam a estrutura salarial", acrescenta o economista, enumerando a habitual colocação de trabalhadores mais qualificados em "grandes empresas, designadamente multinacionais ou nacionais com poder de mercado [por exemplo nos setores da energia, transportes ou telecomunicações]", que tendem a auferir melhores salários. "No caso português, acontece que estas categorias de trabalhadores têm um peso maior no emprego precisamente na Área Metropolitana de Lisboa e em alguns outros concelhos do país, como é o caso de Sines ou o Porto", refere.
Tudo isto acontece, na perspetiva de Carballo-Cruz, economista especializado em transportes, devido à organização do território português. "Um sistema territorial policêntrico [à semelhança de Espanha] ajudaria a que as assimetrias não fossem tão profundas, mantendo o território mais ocupado e com menor distância entre núcleos urbanos. Criar uma malha mais próxima faz toda a diferença e permite que nasçam cidades com vigor económico", concretizou, exemplificando como tal foi conseguido em Braga.
Procuramos que as pessoas se sintam felizes
Pelos corredores da empresa tecnológica Primavera, em Braga, é comum ver crianças a circular ao final da tarde. E, agora que se aproximam dias quentes, também não é raro ver colaboradores a beberem um fino antes de irem para casa ou a subirem ao terraço, no último piso, para um "sunset". Tudo com o consentimento da administração, que promove um conjunto de iniciativas para manter a equipa de cerca de 260 pessoas unida. Aliado a isto, a empresa tem práticas salariais que dificilmente se encontram noutro tipo de indústria.
Rita Cadillon, diretora de Recursos Humanos, assume que um engenheiro informático em início de carreira não ganha menos de mil euros brutos. Não pode expor as médias salariais, mas garante que, ali, há "um modelo transparente" no que toca ao assunto. "Todas as funções estão integradas em determinadas bandas salariais e as pessoas sabem com o que podem contar, dentro daquela grelha. Também sabem como podem evoluir em termos de progressão da carreira, ou seja, que podem entrar como consultor júnior e, se adquirirem determinadas competências, podem passar a consultores seniores ou managers", esclarece.
O desempenho individual é tão valorizado que, a par de um salário fixo, a empresa tem uma "remuneração variável", uma espécie de prémio anual cujo valor pode representar desde 15% a 50% do vencimento anual dos colaboradores. Tudo depende dos resultados de cada um. "Não há muitas tecnológicas que têm um sistema de remuneração variável tão atrativo como a nossa", considera Rita Cadillon, sublinhando que a Primavera, especializada no desenvolvimento de software de gestão, tem revisto as suas políticas salariais, também, para acompanhar a forte concorrência de tecnológicas de referência que se têm implementado em Braga e criam mais dificuldades à contratação de recursos com experiência.
Hugo Lourenço, engenheiro na Primavera há mais de três anos, assume que o setor "paga acima da média" e a empresa está alinhada com a realidade. Mas, no seu caso, mais do que o salário ao fim do mês, escolheu a tecnológica de Braga para cumprir um objetivo de adolescente. "Sempre tive um fascínio por esta empresa, porque comecei a programar com 13 anos e a Primavera era o auge, nessa altura. Desde pequeno queria isto e, quando surgiu a oportunidade, escolhi a Primavera", conta. Agora que ali está, elogia o "espírito jovem" e "a autonomia" dada aos colaboradores.
Nesta tecnológica, nascida em Braga há 25 anos, mas já com sedes em Lisboa e no continente africano, há flexibilidade de horários, possibilidade de trabalhar a partir de casa e, a cada passo, há festa, iniciativas motivacionais e atividades de grupo. Têm, ainda, um encontro anual - que já lhes permitiu ter aulas de surf com o norte-americano Garrett McNamara -, benefícios em ginásios, seguro de saúde, entre outras regalias.
* com Sandra Freitas
