Desde 2007 que os castigos corporais às crianças são proibidos por lei em Portugal, mas a violência exercida pelos pais sobre os menores continua a ser muito comum.
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O mais preocupante é que a ciência acaba de provar que os maus-tratos físicos podem causar graves problemas de saúde a longo prazo.
Um estudo realizado pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), no âmbito do projeto Geração XXI, que acompanha milhares de crianças da Área Metropolitana do Porto desde o nascimento, indica que cerca de 75% dos menores com sete anos de idade são vítimas de agressão psicológica e de castigos corporais, nomeadamente uma bofetada ou uma palmada no rabo.
As crianças (e os pais também) fizeram testes psicológicos para medir o nível e a frequência dos maus-tratos físicos a que são sujeitas e percebe-se que as situações graves e muito graves - que incluem bater com um cinto ou objeto duro ou queimar - são muito significativas: 10% dos menores sofrem aquele tipo de agressão com frequência.
Mas a investigação do ISPUP, a que o JN teve acesso, não ficou por aqui. Aqueles dados foram cruzados com análises ao sangue das crianças, nomeadamente com o valor da proteína C-reativa que serve de indicador sobre o nível inflamatório do organismo. A conclusão é alarmante.
"As crianças que no dia a dia experienciam formas de disciplina parental mais violenta vivem numa situação de tempestade inflamatória que lhes vai causar doença na vida adulta", refere Henrique Barros, presidente do ISPUP. Aquelas crianças estão inseridas no grupo de maior risco de virem a desenvolver doenças cardiovasculares, metabólicas, hipertensão, entre outras, diz o epidemiologista.
Os resultados indicam que entre as crianças de sete anos que sofrem castigos corporais, 58% apresentam valores de inflamação elevados, quase o dobro das que não são vítimas de maus-tratos [ver infografia].
Na prática, este estudo, que deverá ser publicado em breve numa revista científica, prova que a violência "deixa marcas biológicas", explica Henrique Barros.
Em termos clínicos, quando os valores da proteína C-reactiva estão elevados, é porque há um processo inflamatório na fase aguda. A comparação dos testes psicológicos com as análises indica que as agressões levam o sistema imunitário da criança a atuar como se estivesse a combater uma inflamação permanente.
Violência na gravidez
O estudo conclui, ainda, que a violência sobre as crianças é menos frequente nas famílias monoparentais do que nas biparentais. E que as mães que foram vítimas de violência doméstica durante a gravidez batem mais nos filhos (13%) do que as que não foram expostas a maus-tratos (7%).
A relação entre as agressões aos menores e a posição socioeconómica dos pais também foi avaliada. As crianças cujos pais têm mais escolaridade, profissões mais qualificadas e rendimentos mais altos reportaram mais agressões psicológicas e castigo corporal. Já as formas de violência mais graves são mais frequentemente reportadas pelos filhos de pais com posição socioeconómica mais baixa.
DISCIPLINA PARENTAL
5300 crianças e respetivos pais que participam no projeto Geração XXI - uma das maiores coortes de crianças da Europa - compõem a amostra deste estudo realizado pelo ISPUP.
75% dos menores com sete anos de idade reportaram ser vítimas de agressão psicológica e de castigo corporal com frequência e 10% revelaram maus-tratos físicos graves e muito graves.
