O impacto económico e social dos acidentes rodoviários equivale a 3,05% do PIB e o número anual de mortes coloca Portugal na quarta pior posição da Europa.
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O consumo de álcool e a velocidade são as principais causas e a eficácia no regime de multas será, na opinião de Rui Ribeiro, responsável pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), uma das chaves para alterar o comportamento dos condutores. A nova geração de radares já deveria estar a funcionar, mas só sete dos equipamentos que medem a velocidade média estão no terreno e dificilmente a fiscalização arranca antes de maio.
A Comissão Europeia apresentou esta semana uma proposta para harmonizar em todos os estados-membros o controlo de condutores a quem é detetado álcool e drogas. É um passo importante no reforço da segurança ao volante?
É fundamental haver uma harmonização relativamente ao que se passa na fiscalização e atitudes face ao comportamento dos condutores na Europa inteira. As diretivas da Comissão Europeia são da mais alta importância porque envolvem claramente a melhoria na segurança rodoviária.
A proposta impõe taxa zero de álcool para recém-encartados. Concorda com esta medida?
O efeito do álcool na sinistralidade é mais dramático nas camadas mais jovens, portanto tudo o que venha diminuir o potencial de conduzir sob o efeito do álcool nestas camadas é um passo em frente. O álcool é um dos problemas que temos na nossa sociedade em geral. Basicamente, 30% das vítimas mortais que são autopsiadas pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses acusam álcool e, desses 30%, cerca de dois terços têm taxa-crime.
Essas percentagens têm-se mantido constantes ao longo dos últimos anos. Estamos a perder a batalha do consumo de álcool e substâncias psicotrópicas?
O álcool é um caso particular em termos de fiscalização rodoviária, porque só pode ser feito presencialmente e não conseguimos ter uma uniformização de testes ao longo da malha do país. Os testes são feitos em zonas onde se prevê maior incidência no consumo de álcool. A taxa de infrações tem-se mantido aproximadamente constante nos últimos tempos, anda à volta de 2%, o que não é necessariamente um motivo de regozijo porque não temos uma amostra total do país. Relativamente às substâncias psicotrópicas, há um crescimento bastante acentuado de pessoas que faleceram.
Esse agravamento tem a ver com a dificuldade em testar ou com alterações nos consumos?
O relatório do SICAD espelha uma realidade preocupante no país, quer seja no consumo do álcool, quer seja no consumo das drogas. O consumo de drogas tem aumentado e tem uma consequência gravíssima. O álcool acima de 1,2 gramas por litro de sangue aumenta o potencial de acidente entre 20 e 200 vezes, e o mesmo acontece com uma mistura de álcool com uma droga. Estamos a trabalhar justamente para que seja alterado um conjunto de medidas de fiscalização que a torne mais eficaz e eficiente. Atualmente, o que diz a lei é que se as pessoas estiverem a conduzir sob o efeito de drogas e não estiverem em condições de conduzir, é crime. Ora, não estar em condições de conduzir é uma coisa muito subjetiva, portanto o número efetivo de condenações por condução sob o efeito de drogas é diminuto face aos testes que fazemos. O que estamos a trabalhar é numa proposta de alteração para tornar muito mais eficiente o processo criminal.
Com a alteração na formulação legislativa?
Eu sou engenheiro, por mim, alterava só aquele artigo, mas aparentemente é preciso alterar muitas coisas. Mas a ideia justamente é que se quantifique e que se tenha uma perceção do que é estar em condições de conduzir ou não. Como por exemplo aqui em Espanha, um conjunto de testes de comportamento que classificam a apetência para estar a conduzir ou não.
Espanha tem quase metade das vítimas mortais de Portugal (respetivamente, 36 e 63 mortes por milhão de habitantes). Isto significa que está a fazer alguma coisa melhor do que nós?
Desde 1985 até 2019, nós reduzimos o número de vítimas mortais em 75%. Nesse intervalo, o número de veículos vezes quilómetros que são percorridos aumentou num fator de quatro. Ou seja, há mais circulação. Um indicador que provavelmente é mais razoável é o número de vítimas mortais por quilómetros percorridos vezes veículo. E aí descemos 90% desde 1985. É inegável que Portugal está a fazer um progresso. Estamos bem? Não.
É inegável que essa é uma tendência dos países desenvolvidos e insistimos em Espanha porque há duas décadas estávamos numa situação comparável. Foi feito um caminho que nós não estamos a conseguir fazer.
Portugal está entre os cinco países que nas últimas décadas fizeram o maior progresso em percentagem. Espanha estava comparável a Portugal em termos de vítimas mortais e de sinistralidade. Houve uma altura em que, pouco depois de introduzir a carta por pontos, introduziu um conjunto de modificações do ponto de vista das leis, as aplicações das coimas e, ao mesmo tempo, fez uma outra coisa: automatizou tudo o que era contraordenações. As notificações chegam a casa das pessoas ao fim de cinco, sete dias.
O que tem um efeito punitivo e dissuasor eficaz?
Completamente. A fiscalização é um dos parâmetros que entram no comportamento das pessoas e têm influência na sinistralidade. Efetivamente, eles montaram um centro de computação em León, onde processam cerca de quatro, cinco milhões de coimas anuais. Nós ainda não temos essa metodologia implementada. Nos radares SINCRO, que são operados pela ANSR e que fiscalizam 99% das coimas em termos de velocidade, as pessoas são notificadas ao fim de dez dias. Outra coisa que aconteceu em Espanha foi a alteração de um conjunto de mecanismos legais que permitem que as pessoas, se pagarem na altura ou dentro de 20 dias, têm um acordo entre as partes que faz com que haja uma redução de 50% no valor da coima.
Tínhamos o projeto do balcão único do condutor, que iria substituir o portal das contraordenações e agilizar processos. Em que ponto está?
Também já é possível interagir no portal das contraordenações. As pessoas podem pedir processos, podem saber quantos pontos têm na carta, as coimas que têm de pagar, essas coisas já existem. Em Portugal também temos um sistema completamente automatizado relativamente às contraordenações dos radares do SINCRO. O que acontece é que há um conjunto de outras contraordenações que são feitas presencialmente e para as quais está previsto, mas ainda não foi implementado, um sistema automatizado e desmaterializado de processamento. Já temos projetos-piloto em que num tablet é preenchida toda a notificação e vai para a ANSR. Nesse momento ,deixa de haver atrasos ou algumas condicionantes quando as coimas são enviadas em papel.
Quando é que poderá entrar em funcionamento?
Brevemente iremos anunciar quando estará completo. São questões que envolvem partilha de dados entre diferentes entidades e que por vezes não são tão ágeis quanto isso. Estes projetos têm diferentes fases. Uma é a conceção do projeto, outra é o projeto-piloto, depois há de ser a extensão do projeto para se tornar universal. Estamos na fase de início do projeto-piloto. Demorará algum tempo.
Falando de multas e neste caso do controlo de velocidade, mais uma vez ao contrário do que acontece em Espanha, nós temos uma informação menos clara sobre os radares, sobretudo os móveis das forças de segurança. Acabamos por ter um foco na caça à multa, em vez de uma atitude mais preventiva?
Os radares fixos estão todos sinalizados em Portugal. Se me disser assim, a sinalética espanhola é maior e mais visível, a Espanha não assinou a convenção de Viena, Portugal assinou e tem de obedecer a regras de sinalização que a Espanha não tem.
Se formos ao site das autoridades em Espanha, há informação detalhada sobre os radares e a fiscalização. Em Portugal, insistimos muito para ter dados e há algum secretismo em relação a esta informação.
Os radares fixos da competência da ANSR estão perfeitamente sinalizados e toda a gente sabe onde é que eles estão. Os radares móveis são operados pelas forças de segurança que têm, como em todas as outras vertentes da fiscalização, a total liberdade para poderem fiscalizar onde acham que é necessário. Eu queria desmistificar este senso comum do que é a caça à multa. Nos seis anos de funcionamento do sistema de radares nacional (SINCRO), operado pela ANSR, naqueles locais houve menos 74 acidentes com vítimas, houve menos 36% de vítimas mortais. Ou seja, os radares salvaram vidas, e é para isso que servem os radares, como serve o resto da fiscalização. O maior problema que temos em maus comportamentos das pessoas é a velocidade.
Estava prevista neste primeiro trimestre do ano a instalação dos novos radares, incluindo aqueles que vão passar a medir a velocidade média entre dois pontos. Já algum destes radares está em funcionamento?
São 57, dos quais sete comprados pela Ascendi. Dos 30 locais de controlo de velocidade instantânea, 13 já estão montados e esperamos que até meados de abril possam estar montados os restantes. Dos sete radares da Ascendi, estão instalados dois e a Ascendi vai lançar brevemente o concurso dos restantes. Dos 20 locais de controlo de velocidade média, sete já estão instalados e dez vão estar até ao final de março. Os restantes dez, esperamos que até ao final de abril.
Estes sete já montados, que medem a velocidade média, são em autoestradas? Pode dizer quais já estão prontos?
O facto de estarem montados não quer dizer que estejam a funcionar. Estão prontos para serem inseridos e em controlo de qualidade.
Mas não tem uma previsão quanto à entrada deste sistema em funcionamento?
Os de velocidade média esperamos que estejam todos instalados até final de abril, meados de maio. Quando for ligado, toda a gente vai saber, porque a ANSR irá fazer uma ampla divulgação da existência destes radares. Temos um mapa que vai ser disponibilizado para toda a gente, aliás, estava disponibilizado já no concurso público, mas houve pequenas alterações de posicionamento e vamos disponibilizar um site onde as pessoas podem consultar estes radares todos.
A desregulação no uso de trotinetas tem causado polémica. Lisboa fez um protocolo com as cinco empresas para limitar a velocidade e para serem menos na cidade. Concorda com a necessidade de medidas e de regulamentação?
As trotinetas foram equiparadas a velocípedes na mais recente alteração do Código da Estrada. Não podem estacionar em cima do passeio, não podem andar em sentido contrário, se passarem o sinal vermelho os condutores perdem pontos na carta, se andarem a conduzir com álcool perdem pontos, portanto, as leis existem. O licenciamento desta atividade económica é feito pelos municípios e, se há trotinetas a mais numa cidade, estes têm a competência e a obrigação de resolver esse problema. É possível que a uma trotineta que esteja em cima de um passeio lhe seja diminuído ou mesmo cortado o apoio elétrico e pára. É possível que uma trotineta que esteja a andar em sentido contrário lhe seja cortado o apoio elétrico e pára.
Terão de ser as empresas a gerir melhor?
Evidentemente. Podem incentivar ao uso mais razoável e mais conforme. A questão do álcool é um problema sério, mas será possível, quando nós iniciamos uma aplicação, haver um jogo que permite identificar se as pessoas estão realmente no mínimo de condições para poderem conduzir ou não. A sinistralidade das trotinetas em Portugal não está avaliada como deve ser, está subavaliada.
Qual é o impacto económico da sinistralidade rodoviária?
Elevadíssimo. Nós fizemos um trabalho com o ISEG com dados de 2019 e, nesse ano, a sinistralidade rodoviária representou, em custos económicos e sociais para o país, 3,05% do PIB. Estes cálculos entram em conta com o valor da vida, evidentemente, mais o valor das prestações. Deixe-me dar-lhe um exemplo. Uma criança que infelizmente tem um acidente aos 20 anos, foi uma criança que ainda não produziu riqueza para a nação, e poderá ficar acamada para o resto da vida. Isto entra tudo nos custos económicos e sociais. Eu não queria ser insensível, mas esta vertente também deve ser vista, sobretudo pelas pessoas que todos os dias falam das questões de défice, de PIB. Estes valores estão alinhados com o resto da Europa. A sinistralidade rodoviária é a primeira causa de morte entre os cinco e os 29 anos, e a maior parte das pessoas não tem consciência disso. A nossa geração mais jovem, se já não está a ir para o estrangeiro, está a morrer nas nossas estradas. Isto é intolerável.
Ouça a entrevista completa este domingo ao meio-dia na TSF