Privados que geriam hospitais públicos exigem 90 milhões por prejuízos da covid-19
Grupos privados que geriam os hospitais de Loures, Cascais e Vila Franca de Xira durante a pandemia avançaram para a Justiça.
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Os grupos de saúde privados que, nos últimos anos, geriram os hospitais de Loures, de Vila Franca de Xira e de Cascais em regime de parceria público-privada (PPP) estão a exigir pelo menos 90 milhões de euros ao Estado para serem compensados dos prejuízos que tiveram durante os anos da pandemia.
Luz Saúde, CUF e Lusíadas avançaram com pedidos de reposição do equilíbrio financeiro (REF) que estão a ser dirimidos em tribunal arbitral com a ARS de Lisboa e Vale do Tejo, nomeada representante do Estado nos litígios. Em causa está, essencialmente, o incumprimento da atividade contratualizada por parte dos parceiros privados devido à suspensão de consultas e cirurgias programadas em 2020 e 2021, bem como os encargos decorrentes da reorganização da resposta imposta pela covid-19.
Luz pede 50 milhões de euros
Após tentativas de acordo goradas, as sociedades gestoras do Hospital de Vila Franca de Xira (grupo CUF) e do Hospital de Cascais (Lusíadas) avançaram para a Justiça no ano passado. Já a do Hospital de Loures interpôs, em 2021, um pedido de reequilíbrio financeiro de 26,4 milhões de euros e, no início deste ano, outro pedido de REF de montante ligeiramente inferior. No total, apurou o JN, o parceiro privado que geriu o Hospital Beatriz Ângelo até janeiro de 2022 exige ser compensado em cerca de 50 milhões de euros.
No caso do Hospital de Cascais, a sociedade gestora pede "a condenação do Estado no pagamento de cerca de 20,1 milhões de euros", como pode ler-se no relatório do Orçamento do Estado 2023. De acordo com o documento, o fundamento para o pedido de REF são "os encargos com a reorganização da resposta dos cuidados de saúde decorrentes da situação pandémica". Um despacho, publicado em outubro, a designar a ARS de Lisboa e Vale do Tejo como representante do Estado no litígio, acrescenta que o conflito tem a ver com a alegada "perda de receita" e com os alegados "custos extraordinários" em que o parceiro terá incorrido por causa da pandemia.
Já a sociedade gestora do Hospital de Vila Franca de Xira exige 19,6 milhões de euros pelos impactos causados pela pandemia, segundo o orçamento. No total, os três grupos privados pedem cerca de 90 milhões de euros.
Realçando que nada tem a ver com os processos, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada (APHP) explica que "o que está em causa é saber se uma pandemia é ou não uma causa de força" que pode dar origem ao reequilíbrio financeiro. Além da quebra de atividade, que decorreu do adiamento da atividade programada, de restrições à mobilidade e do receio da população, sobretudo em 2020, os privados tiveram custos acrescidos com equipamento de proteção e testes à covid-19, diz Óscar Gaspar.
Questionadas pelo JN, a CUF e a ARS de Lisboa e Vale do Tejo não responderam. O grupo Lusíadas adiantou que o processo está em curso e remeteu para o despacho de outubro. E a Luz Saúde preferiu não comentar.
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Despacho protetor
O Governo publicou em abril de 2020 um decreto-lei que estabelece um "regime excecional e temporário" para suspender eventuais compensações financeiras nos contratos de parcerias público-privadas, por prejuízos resultantes da pandemia covid-19. O decreto-lei, pensado para as PPP rodoviárias, mas que também se aplica aos hospitais, suspende as cláusulas dos contratos que preveem o direito à reposição do equilíbrio financeiro ou à compensação por quebras de utilização durante o estado de emergência.
Mais 35 milhões em litígio
Além dos litígios sobre a covid-19, há outros conflitos a serem dirimidos em Tribunal Arbitral, nomeadamente sobre encargos com medicamentos da hepatite C. O valor global das contingências com as PPP da Saúde rondava, em 2022, 92,9 milhões de euros, mais 35,5 milhões do que no ano anterior, refere o Orçamento do Estado 2023. O documento não inclui ações deste ano, como o segundo pedido de reequilíbrio financeiro da PPP de Loures.
Só resta uma PPP
O Hospital de Cascais é o único que mantém uma parceria público-privada (PPP) para a gestão clínica, mas com um parceiro privado diferente. Catorze anos depois, o contrato com o grupo Lusíadas chegou ao fim em dezembro passado. Em janeiro, a gestão clínica de Cascais passou para as mãos do grupo espanhol Ribera Salud pelo período de oito anos.
Fim dos contratos
A PPP de Vila Franca de Xira acabou em maio de 2021 e a do Hospital de Loures em janeiro de 2022. Mais antiga, a PPP de Braga terminou em agosto de 2019.