Só as três substâncias mais vendidas registaram uma quebra de 1,4 milhões de embalagens. Médicos explicam que medidas de proteção da covid-19 ajudaram a prevenir as infeções.
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No ano passado o consumo de antibióticos em ambulatório desceu 23% em comparação com o ano de 2019, revelam os dados provisórios cedidos ao JN pela Autoridade Nacional do Medicamento (Infarmed). Só as três substâncias mais vendidas registaram uma quebra superior a 1,4 milhões de embalagens dispensadas em 12 meses. São elas a combinação da amoxicilina com ácido clavulânico (menos 653 097 embalagens), a azitromicina (menos 489 829) e a amoxicilina (menos 326 286).
Trata-se de antibióticos "essencialmente utilizados em infeções das vias respiratórias superiores, nariz e garganta" (como amigdalite, sinusite e otite média), explicou o Infarmed. As infeções do trato urinário, da pele e dos tecidos moles, entre outras, também podem ser tratadas com recurso a estes medicamentos. No que diz respeito à utilização global de antibióticos, os dados do Infarmed revelam que desde 2015 que o consumo de doses diárias definida por mil habitantes/dia não era tão baixo. Em 2020 foram dispensadas pelas farmácias embalagens respeitantes a uma média de 13,7 doses diárias por mil habitantes. No ano anterior, em 2019, a média foi de 17,9 doses (mais 23%), o número mais elevado dos seis anos analisados. Em 2015, tinham sido 17,3 doses.
Menos infeções bacterianas
De acordo com Nuno Jacinto, presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), esta queda deve-se ao confinamento e às medidas de precaução contra a covid-19, que também impedem a transmissão de infeções bacterianas.
"De uma forma geral há uma diminuição muito marcada de tudo o que são infeções respiratórias. E a esmagadora maioria destes antibióticos são prescritos nestes contextos", explicou o médico. As crianças são um bom exemplo: como estiveram menos juntas no último ano, devido aos períodos de confinamento, verificou-se uma presença "residual" de bronquiolites, que costumam ser mais frequentes nesta população.
"Com estes vários confinamentos que têm ocorrido, as medidas de distanciamento social, etiqueta respiratória e o uso de máscaras não previnem só o contágio dos vírus. Previnem também a transmissão e a propagação destas infeções bacterianas. Havendo menos infeções, há menos prescrição de antibióticos", disse.
Questionado se, para esta redução, não poderiam também ter contribuído os constrangimentos no acesso aos serviços de saúde, por causa da pandemia, Nuno Jacinto admitiu poder existir "uma franja" de doentes que, por receio ou dificuldade, acabaram por não procurar ajuda. "Acredito que seja uma fração minoritária porque a perceção que temos é que, efetivamente, este tipo de doenças diminuiu muito".
Por outro lado, esta redução também pode ajudar a combater a resistência das bactérias aos antibióticos. "Há muito tempo que se tem lutado para uma prescrição criteriosa e tem-se investido muito na formação nessa área e na divulgação. Estamos a falar não só de medidas para a população, mas também para os profissionais de saúde", acrescentou.
Compraram-se menos remédios, mas SNS pagou mais
Entre janeiro e novembro de 2020, o consumo total de medicamentos fora dos hospitais também diminuiu face ao ano anterior. Foram dispensadas 147,7 milhões de embalagens, menos 2,2% (3,4 milhões) do que nos primeiros 11 meses de 2019. Mas a despesa em fármacos aumentou para o Estado (através das comparticipações), apesar de ter baixado para os utentes. O relatório de monitorização do Infarmed, de novembro de 2020, mostra que o preço de venda ao público dos medicamentos subiu 1,6%: de 1882 milhões de euros para 1912 mil milhões. A despesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS) aumentou 2,6%, para 1244,5 milhões de euros (mais 31,9 milhões). O custo para os utentes desceu 0,3%, para 667,9 milhões de euros (menos 2,2 milhões). O preço médio por embalagem aumentou 3,8% (12,95 euros) face ao ano de 2019. Já a despesa média de cada pessoa (per capita) até novembro foi 68,16 euros. A atorvastatina (usada para baixar os níveis de colesterol), a metformina (antidiabético) e o paracetamol (combate a febre e a dor) foram as substâncias ativas mais consumidas no período analisado. Das três, só o paracetamol registou uma quebra no número de embalagens dispensadas (menos 314 mil, para 3,04 milhões) comparativamente a 2019. A atorvastatina aumentou 9,5% (mais 424 embalagens, para 4,8 milhões) e o antidiabético subiu 0,1% (mais duas mil embalagens, para 3,2 milhões).