O título deste “Radar” poderia ser o arranque de uma anedota, mas, na verdade remete para candidatos ao Parlamento Europeu que são, para dizer o mínimo, “fora da caixa”. Histórias que confirmam o poder das redes sociais e das emoções na política.
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Um youtuber cipriota, de 24 anos, que atingiu o pico da fama ao abraçar Elon Musk. Um ativista espanhol da direita radical, de 34 anos, que criou um partido a que chamou “Acabou-se a festa”. E uma ativista antifascista italiana, de 40 anos, que está presa na Hungria. Três candidatos ao Parlamento Europeu e, segundo as sondagens publicadas nos respetivos países, três prováveis deputados com assento no Parlamento Europeu que vai ser conhecido a 9 de junho.
Já ninguém tem dúvidas sobre a influência das redes sociais na vida política. Já não são apenas o substituto das desbragadas conversas de café. Veja-se a explosão dos partidos da direita radical populista: boa parte do seu sucesso deve-se à manipulação eficaz de mensagens e vídeos através de plataformas como o Youtube, Facebook, Instagram, Twitter e Tik Tok. E isso trouxe-lhes um exército de eleitores, em particular entre os mais jovens, na Europa, como em Portugal. Mas vejamos o o resumo da história destes personagens, todas já contadas no JN.
Uma festa que acabou
“Acabou-se a festa”. É a denominação do movimento formado por Luis Pérez, conhecido nas redes como Alvise. Um sevilhano de 34 anos que conseguiu reunir as 15 mil assinaturas para concorrer às eleições e que poderá chegar aos 3,2%.
Uma das plataformas preferidas de Perez é o Telegram. Tem uma audiência de quase meio milhão de seguidores, que se entusiasmam com as várias mentiras que vai espalhando sobre políticos e jornalistas (já foi processado e condenado várias vezes por causa disso) e exultam com as mensagens xenófobas e machistas. A sua principal mensagem política é a de “eliminar a mafia política, mediática e judicial”. Soa familiar?
Um abraço a Elon Musk
O Chipre é um dos países mais pequenos da Europa. Tem direito apenas a seis deputados. O que torna o feito de Fidias Panayiotou, um youtuber de 24 anos, ainda mais espetacular. As mais recentes sondagens atribuem-lhe 8,7%, o que deverá ser suficiente para conquistar um lugar em Estrasburgo. Fidias é um político que admite não saber nada de política. E pelos vistos não precisa. A sua plataforma é o Youtube, onde acumulou um número gigante de subscritores: 2,6 milhões de pessoas, desde que começou, em 2019.
O passo definitivo para a fama foi a sua “gesta” de abraçar uma centena de personalidades do mundo digital. O objetivo final era chegar aquele que mais admira, Elon Musk, o multimilionário dono do “X” (ex-Twitter), da Tesla ou da SpaceX. E conseguiu, como se prova em vídeo no Youtube, onde mais poderia ser? Panayiotou formalizou a candidatura ao lado do pai, um padre ortodoxo vestido a rigor. “Nunca votei na minha vida”, reconheceu, acrescentando que não percebe nada de política europeia.
Uma candidata na prisão
Detida há mais de um ano na Hungria, por suspeita de estar envolvida em agressões a neonazis, a italiana Ilaria Salio deverá ser eleita para o Parlamento Europeu na lista da Aliança dos Verdes e da Esquerda e reconquistar, dessa forma, a sua liberdade. Um caso que já não tem a ver com as redes, antes com o poder das emoções na política. Percebendo isso, dois partidos italianos interessaram-se em apresentá-la como candidata. A Aliança dos Verdes e da Esquerda levou a melhor sobre o Partido Democrático e fez de Ilaria a cabeça de lista pelo círculo do Noroeste.
A professora de 40 anos foi detida na sequência de confrontos ocorridos a 11 de fevereiro de 2023, em Budapeste. Nesse dia é já uma tradição que se organize uma marcha da extrema-direita que comemora a tentativa (falhada) das forças nazis e dos seus aliados húngaros para escaparem ao cerco do Exército Vermelho (da então URSS), em 1945, nos meses finais da II Guerra Mundial. Nas comemorações do ano passado, houve confrontos com grupos de antifascistas. Uma das pessoas detidas foi Ilaria. Mesmo que os alegados agredidos nunca tenham apresentado queixa na Polícia, a italiana é acusada, pelo Ministério Público húngaro, de tentativa de homicídio.
Acrescente-se que, já este ano, em dia de nova celebração neonazi, e de novo a 11 de fevereiro, foi pintado um mural nas ruas de Budapeste em que, para além de se glorificar as tropas nazis alemãs e húngaras, se manifestava o desejo de ver Ilaria morrer pela forca. “É muito perigoso para a minha filha continuar na Hungria”, alertou o pai. Um desespero compreensível, mas que, na verdade, se converteu também em argumento eleitoral. A candidatura de Iliria pode muito bem dar o empurrão de que a Aliança precisa para conseguir ultrapassar a barreira mínima de 4% que a lei eleitoral italiana impõe (está com 4,6%) e fazer eleger mais três deputados para Estrasburgo.
Entrevista a Marta Temido
Na edição desta quarta-feira do JN há entrevista a Marta Temido, a cabeça de de lista socialista ao Parlamento Europeu. Uma conversa à beira douro com o jornalista Pedro Araújo, de que destaco três ideias:
Sobre habitação: “É preciso ir mais longe e considerar a habitação pública como resposta também para a classe média e para os mais jovens. Nós defendemos um plano Marshall para a habitação.”
Sobre imigração: “A nossa perspetiva é humanista e solidária. Defendemos canais regulares e seguros. O PPE [onde estão o PSD e o CDS] defende a construção de muros (...) e a colocação dos migrantes em países terceiros.”
Sobre a subida da extrema-direita: “Estão a entrar nos parlamentos nacionais e no Parlamento Europeu forças políticas que só utilizam a democracia para a destruir por dentro.”
Pode sempre ler a entrevista na íntegra aqui, ou o resumo em vídeo aqui. Acrescento que o JN já entrevistou quase todos os candidatos dos partidos e coligações com representação parlamentar (pode ver todas as entrevistas e tudo o que se vai passando de fundamental na campanha aqui). Falta apenas Sebastião Bugalho, assim o candidato da AD encontre uma pausa na intensa agenda de campanha.
Imigração, ainda e sempre
Quando já só faltam três dias de campanha em Portugal, a imigração parece ter-se transformado numa espécie de tema único. Não por causa do Pacto para as Migrações e o Asilo que a União Europeia recentemente aprovou, mas por causa do Plano de Ação para as Migrações apresentado pelo Governo.
Compreende-se. A discussão rende mais quando os candidatos se viram para dentro, ou seja, para os meandros da política nacional. Portugal não é, aliás, caso único. Só na aparência (e, vá lá, na finalidade, que é a de eleger deputados para o Parlamento Europeu) é que estas eleições são europeias. Na verdade, o que temos são 27 eleições nacionais, com os temas nacionais, e não tanto os europeus, a marcarem as agendas.
Para citar um artigo do site “politico.eu”, em que se faz a síntese, país a país, do que preocupa os cidadãos e do que está na agenda de cada uma das campanhas nos 27, “quando os eleitores da UE forem às urnas no final desta semana, uma coisa é certa: quase nenhum estará a pensar na Europa quando votar”.
Prova da nacionalização da discussão é a pergunta dos jornalistas a que Sebastião Bugalho teve de responder esta terça-feira, sobre se a iniciativa do Governo “lhe dá jeito”. Resposta do cabeça de lista da AD: "Não estava à espera que o Governo suspendesse a atividade governativa nas semanas de campanha? Não pode ajudar-me a mim, pode ajudar 400 mil migrantes com situação por regularizar".
Bugalho defende os seus, a Oposição marca terreno a jogar ao ataque, como pelos vistos lhe corresponde. Pedro Nuno Santos, o líder socialista, envolveu Marcelo Rebelo de Sousa na disputa: "Eu acho que o senhor presidente partilha do mesmo diagnóstico errado de que a explosão ou o aumento de imigrantes em Portugal se deve a uma alteração legislativa. E não. Deve-se a uma estrutura económica predominante em Portugal. Aí é que está a chave".
Catarina Martins, a cabeça de lista do BE, também alinha nas críticas ao presidente, que acusa de “absoluta irresponsabilidade” por ter promulgado “num instante” a proposta do Governo. "Eu não sei se a ideia é utilizar o discurso xenófobo da extrema-direita para na última semana de campanha ter um discurso contra a imigração, acho um absurdo, acho errado e não tem nada a ver com o país que nós somos".