A morte do Papa trouxe dúvidas sobre o futuro. Enquanto se chora a partida do sumo pontífice, o Vaticano prepara-se para escolher o sucessor, desafiado a liderar uma Igreja em mudança, mais aberta ao diálogo e às feridas do Mundo. Será possível manter viva a herança de Francisco? Não faltam candidatos ao fumo branco.
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Os sinos tocam no Vaticano, quebrando o silêncio ensurdecedor deixado pela morte do Papa do Povo. Já não se ouve a voz de Francisco. Não há as mãos que confortavam as crianças nem o sorriso que desarmava crentes e não crentes. O Mundo perdeu Jorge Mario Bergoglio, o primeiro Papa latino-americano.
A notícia não foi inesperada, mas nem por isso menos sentida. Símbolo de simplicidade e coragem, Francisco deixou marca dentro e fora da Igreja Católica. Durante 12 anos, aproximou a Igreja das pessoas. Trocou palácios por um apartamento, o protocolo pelo abraço e a distância pela escuta atenta. Não teve medo de tocar nas feridas abertas, enfrentando os escândalos financeiros no Vaticano e de abuso sexual no clero e falando sobre temas antes tabu como o divórcio, os migrantes, a homossexualidade e o papel das mulheres na Igreja. Sentou-se com líderes mundiais e de diferentes religiões e construiu pontes onde antes havia abismos. Acolheu “todos, todos, todos”, mesmo quem tantas vezes foi deixado à porta.
Agora, impõe-se a questão: quem vai continuar o seu legado? Manterá as “portas abertas” ou mudará o rumo do Catolicismo? Nos corredores do Vaticano, sussurram-se nomes de possíveis sucessores capazes de ocupar o trono de São Pedro.
Os grandes favoritos
Três figuras destacam-se como apostas fortes. O cardeal italiano Pietro Parolin, de 70 anos, secretário de Estado do Vaticano desde 2013, é uma figura moderada com experiência na Santa Sé. Tal como Francisco, tem defendido o diálogo como solução para os conflitos globais. Outro nome forte é o cardeal Péter Erdő, húngaro de 72 anos, representante da ala mais conservadora da Igreja. Antigo presidente das Conferências Episcopais da Europa, opõe-se à comunhão de recasados e critica a política de acolhimento de migrantes.
Também na disputa
O cardeal Matteo Zuppi, de 69 anos e presidente da Conferência Episcopal Italiana, é o favorito de Francisco. Foi nomeado em 2019, tem participado em missões de paz e já se manifestou de forma inclusiva sobre a comunidade LGBTQIA+. O maltês Mario Grech, de 68 anos, aproximou-se de posições mais progressistas, é crítico das políticas contra ONGs que resgatam migrantes e manifestou abertura sobre a ordenação de mulheres como diaconisas. Jean-Marc Aveline, arcebispo de Marselha de 66 anos, próximo de Francisco, defendeu os migrantes e o diálogo com o Mundo muçulmano. Já o espanhol Juan José Omella, de 79 anos, arcebispo de Barcelona, integrou o conselho restrito de nove cardeais que aconselhava o Papa.
Dos EUA, o cardeal Raymond Leo Burke, de 76 anos, do Wisconsin, opôs-se às filosofias liberais de Francisco sobre o acolhimento de recasados e à linguagem inclusiva sobre contraceção e homossexualidade. Também Timothy Dolan, de 75 anos, arcebispo de Nova Iorque, é um conservador teológico, ferozmente contra o aborto. Já o cardeal Joseph Tobin, de 72 anos, arcebispo de Newark, geriu um escândalo de abusos sexuais na sua diocese e é conhecido pela postura aberta face à comunidade LGBTQIA+. Robert Francis Prevostt, arcebispo-bispo emérito de Chiclayo, com 69 anos, é o prefeito do Dicastério para os Bispos e presidente da Comissão Pontifícia para a América Latina.
O italiano Pierbattista Pizzaballa, patriarca latino de Jerusalém com 60 anos, tem defendido a minoria cristã na Terra Santa e, após os ataques do Hamas, ofereceu-se como refém em troca de crianças detidas. Embora discreto em matérias controversas, tornou-se a primeira figura do alto clero a visitar a Faixa de Gaza em 2024. Angelo Scola, ex-arcebispo de Milão, de 83 anos, pode ser uma escolha de transição caso os cardeais não cheguem a consenso. Se eleito, seria o mais velho Papa escolhido desde o século XVII.
Africanos ganham força
O cardeal ganês Peter Turkson, de 76 anos, é uma voz ativa pela justiça social, mas mantém posturas teológicas rígidas, sendo crítico do uso de preservativos durante a pandemia de sida em África e defendendo uma visão dura sobre a homossexualidade. Já o cardeal Robert Sarah, de 79 anos, da Guiné, é tradicionalista, crítico do Concílio Vaticano II e opositor da comunidade LGBTQIA+. Por outro lado, destaca-se pelo respeito pelo Islão. Por fim, o congolês Fridolin Ambongo Besungu, de 65 anos, combina uma visão teológica tradicional com forte sensibilidade para as questões de justiça social, sendo uma voz firme na defesa dos mais pobres e dos direitos humanos. Se eleitos, seriam o primeiro Papa africano desde o século V.
Outros nomes falados
Ainda que com menos hipóteses, Wim Eijk, de 71 anos, arcebispo de Utrecht, é um crítico conservador do papado de Francisco e destaca-se pelas posições rígidas contra os direitos LGBTQIA+ e as tentativas ecuménicas de alcançar outras denominações cristãs. O cardeal canadiano Marc Ouellet, de 80 anos, esteve envolvido num caso de agressão sexual, que nega. Foi uma das principais vozes pela mudança na Igreja após ter estalado o escândalo de abusos sexuais. Já o cardeal Vincent Nichols, de 79 anos, é uma figura moderada. Líder da Igreja Católica em Inglaterra e no País de Gales desde 2009, evitou envolver-se em debates polémicos, como a comunidade LGBTQIA+, mas opôs-se à legalização da eutanásia. Anders Arborelius, de 75 anos, é o primeiro cardeal católico da Suécia e considera que construir pontes num Mundo polarizado e dar maior influência às mulheres são os maiores desafios da Igreja. Apoiou os migrantes, mas opôs-se à bênção de casais do mesmo sexo. Jesuíta como Francisco, Jean-Claude Hollerich, de 67 anos e arcebispo do Luxemburgo, é firme no dogma, mas está aberto à adaptação da Igreja às mudanças sociais. Serviu no Conselho dos Cardeais, defendeu o ambiente e pressionou os leigos a envolverem-se mais na Igreja. Já Claudio Gugerotti, de 69 anos, de Verona, serviu como núncio em vários países e foi nomeado Prefeito do Dicastério para as Igrejas Orientais em 2022. Charles Maung Bo, de 76 anos e arcebispo de Yangon, é o primeiro e único cardeal de Myanmar. Presidente da Federação das Conferências Episcopais Asiáticas, apelou à reconciliação no país, defendeu os perseguidos e manifestou-se contra o tráfico humano.
Os quatro portugueses
Até entre os cardeais portugueses há nomes sonantes. D. António Marto, de 77 anos, tornou-se rosto familiar como bispo de Leiria-Fátima, de 2006 a 2022, altura em que recebeu as visitas dos Papas Bento XVI e Francisco, em 2010 e 2017, respetivamente. Foi nomeado cardeal em 2018. D. Manuel Clemente, de 76 anos, foi nomeado bispo auxiliar de Lisboa em 1999 por João Paulo II, chegou a bispo do Porto em 2007 e foi nomeado Cardeal Patriarca de Lisboa em 2013. D. José Tolentino Mendonça, de 59 anos, vive no Vaticano desde 2018 e é uma das figuras mais promissoras. Foi arquivista e bibliotecário da Santa Sé e é prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação. Foi investido cardeal em 5 de outubro por Francisco, que lhe delegou a leitura da oração do Angelus enquanto estava internado. D. Américo Aguiar, de 51 anos, é o rosto da nova geração do clero português. Foi ordenado em setembro de 2023, pouco mais de uma semana após ter sido conhecida a sua nomeação como Bispo de Setúbal. Formado em Comunicação, liderou a organização da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, e é considerado uma figura moderna da Igreja.
Francisco partiu, mas deixou um legado difícil de apagar. Nos próximos dias, o Mundo estará atento ao fumo branco que anunciará o novo sucessor de Pedro, responsável por guiar uma Igreja em transformação numa sociedade fragmentada entre a tradição e a mudança. Até lá, o luto e a gratidão caminham lado a lado.