"A vida como ela é" é um espaço de opinião quinzenal assinado pela escritora Margarida Rebelo Pinto
Corpo do artigo
Estou a chegar a uma idade em que, para onde quer que me vire, vejo netos por todo o lado. Ainda não sou avó e confesso que tenho pena. Diz a sabedoria popular que ser avó é ser mãe duas vezes. No caso da minha mãe, do alto da sabedoria que só se alcança depois dos 80, ela acha que ser bisavó é igualmente gratificante, enquanto joga ao Burro Preto com uma das cinco bisnetas. Uma tia minha, talvez menos afetiva e certamente dotada de elevado pragmatismo, gosta de dizer que os netos são como as visitas: uma alegria quando chegam e uma alegria quando se vão embora. Seja bem-vindo à curva apertada dos 60, na qual o objetivo maior é simples: não nos espetarmos na vida com problemas de saúde ou reformas antecipadas e termos energia para brincar com os netos e deles cuidar.
Se os 50 são os novos 40, pelo menos foi o que senti quando lá cheguei, não consigo acreditar que a mesma fórmula se aplique à década seguinte. É verdade que me sinto muito mais próxima da faixa dos 50 e que a mera enunciação do adjetivo sexagenário provoca em mim uma incontrolável vontade de me bolçar, não sei se pela fonética implícita ou por tudo o que representa. O facto é que chegar aqui com saúde, sem pregas no corpo e a mesma agilidade física e mental que tinha há uma ou duas décadas, faz-me sentir uma grande sortuda. Contudo, as prioridades mudaram: já não me preocupo se ganho um par de quilos ou se atraso a camuflagem das raízes brancas por um mês, primeiro porque existem sprays para ajudar, e depois porque, no fundo, já não é tão importante. Na dúvida sobre o que pensar ou que atitude tomar perante algum tema, vejo o que a Jane Fonda tem a dizer sobre isso, porque de velhice sabe ela, que me leva mais de duas décadas de avanço.
Voltando aos netos, essa benção da criação que Deus nos manda, contento-me em esperar, enquanto brinco com os que tenho emprestados e que me forram o coração a papel de seda sempre que me abraçam e dizem: "Tia Maggie, já estava com saudades".
Quando era adolescente sentia todos os dias vontade do futuro, sonhava com os livros que queria escrever e com as viagens que ia fazer. Quando fui mãe sonhei o futuro do meu filho e agora que entrei no terceiro ato, como a Jane Fonda chama a esta curva, vejo-me a hesitar entre gozar o presente e sonhar ainda com o que está para vir, acreditando nos meus poderes de transformação da realidade.
Quem sabe o que me espera depois da curva apertada que imagino na minha cabeça inquieta de escritora, é um caminho largo e verdejante cheio de surpresas: netos, ir ao Japão e ao arquipélago das Galápagos, ou até um amor realizado, novo ou antigo, que me leve pela mão a descansar na paz de uma existência plácida, recheada de bons livros e melhores conversas. Não sei que personagem de que romance meu disse a outra: "Faz planos para o futuro que queres ter". Era certamente uma personagem sábia, daquelas nas quais gostamos de nos rever.
Às vezes, também penso que as personagens são sempre mais interessantes do que as pessoas que as inspiram, mas ser escritor também é pintar a realidade com outras cores, suavizar as curvas e sonhar todos os futuros como se fossem possíveis.