Números e relatos de clínicos apontam para crescimento exponencial da procura, em parte devido à estética regenerativa. Ordem dos Médicos reconhece potenciais benefícios em várias áreas, mas sublinha a necessidade de “mais estudos científicos de qualidade”.
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Joana Cardoso, enfermeira de 46 anos, teria 20 e poucos quando ouviu falar de mesoterapia pela primeira vez. Na altura, as amigas andavam todas a experimentar, o objetivo era livrarem-se daquela gordurinha localizada na barriga que as atormentava, ela deixou-se levar pela “moda”, foi fazer também. A experiência, porém, deixou a desejar. “Na altura, não tínhamos a preocupação de ir aos melhores sítios, fiquei toda pisada e nunca mais fui”, recorda. Mas a história não acabou ali. Há uns sete anos, quando deu por ela a ressentir-se de uma certa flacidez no rosto, e já mais informada sobre a evolução da técnica, resolveu voltar a tentar. Desta vez, numa clínica com nome. E o desfecho foi substancialmente diferente. “Correu muito bem. Desde então tenho feito sempre, regra geral duas vezes por ano, para manutenção.” Com resultados palpáveis, garante: “Sinto a minha pele mais estruturada, aquelas ruguinhas pequeninas à volta dos olhos mal se notam, porque a pálpebra vai regenerando lentamente, a pele fica mais densa, com um aspeto mais saudável e brilhante.” Ficou de tal forma fã que há uns seis anos, pouco depois de deixar o hospital em que trabalhava para enveredar pela área da estética, decidiu ir fazer formação em mesoterapia. Hoje, também ela a aplica, na clínica que tem com o marido, em Esposende.
Na verdade, o leque de espaços que disponibilizam mesoterapia parece alargar-se a cada dia. Uma simples pesquisa num motor de busca permite encontrar dezenas de resultados, desde clínicas de fisioterapia a espaços de estética. Os números comprovam a tendência. De acordo com a página “Business Market Insights”, o mercado da mesoterapia a nível europeu valia, em 2022, mais de 190 milhões de euros, sendo expectável que fique perto dos 400 milhões em 2030. Falamos de uma taxa de crescimento anual composta de 9,3%. O aumento, segundo a mesma página, é impulsionado por uma maior procura por tratamentos estéticos não cirúrgicos, especialmente entre “a população de meia-idade preocupada com a aparência e o envelhecimento da pele”. A curva ascendente é também sentida pelos profissionais que a aplicam. É o caso de Marta Ribeiro Teixeira, dermatologista na Clínica Espregueira, no Porto, que nos últimos anos tem notado um “crescimento exponencial”, sobretudo no âmbito da medicina estética regenerativa. “Se antes a preocupação era quase só corrigir rugas, agora, cada vez mais, procura-se ir à raiz do problema, estimular a própria pele, reativar processos que se vão perdendo, a própria produção de colagénio”, aponta a médica.
Para melhor se perceber os efeitos, há que explicar o conceito e a história da mesoterapia. Trata-se de uma técnica que consiste em aplicar, através de microinjeções, medicamentos em pequenas doses diretamente na pele (intradérmica) ou em tecidos subjacentes, como o tecido adiposo, com o objetivo de tratar diversas condições. Terá nascido na década de 1950, pela mão do médico francês Michel Pistor, que desenvolveu a técnica para tratar condições vasculares e infecciosas. Com o tempo, a mesoterapia foi crescendo em popularidade e diversidade, alargando-se a diversas áreas, da medicina física e de reabilitação à desportiva, da estética à parte capilar. Em 1987, foi mesmo reconhecida pela Academia Nacional Francesa de Medicina como uma especialidade médica. Hoje, é usada para tratar uma variedade de condições: dor, inflamação, celulite, gordura localizada, flacidez dérmica, envelhecimento cutâneo.
Marta Ribeiro Teixeira reforça que a mesoterapia “é uma técnica muito antiga”, hoje muito em vaga “por causa do antienvelhecimento”. “Aplico-a sobretudo no âmbito da estética regenerativa facial e também a nível capilar. Sendo que os benefícios são distintos. No primeiro caso, são aplicadas microinjeções na parte superficial da pele, em que vamos depositar substâncias [complexos vitamínicos, aminoácidos, minerais, ácido hialurónico, polinucleotídeos, entre outras] que vão contribuir para o rejuvenescimento, a hidratação, a textura, a firmeza. Ou que vão ajudar no acne e na rosácea, por exemplo.”
Já a mesoterapia capilar é usada para tratar a queda de cabelo crónica, através de um aporte de nutrientes ao folículo piloso, que vai estimular o crescimento e o fortalecimento dos fios. Esta técnica pode ainda ser usada ao serviço do rejuvenescimento corporal, sendo a principal utilização a lipólise abdominal, que visa a redução de gordura localizada no abdómen. O princípio é sempre o mesmo: “O facto de estarmos a causar pequenos traumatismos na pele vai automaticamente estimular a regeneração. Depois, o facto de as substâncias injetadas serem depositadas de forma mais profunda na pele também aumenta a sua eficácia. Não é que substitua outros tipos de tratamento, mas é um excelente complemento”.
“Mais uma arma terapêutica”
Mas nem só da estética vive a mesoterapia. André Ladeira, especialista em medicina física e reabilitação no Hospital CUF Tejo e na Clínica CUF Alvalade, explica que é particularmente útil em casos de “dor e inflamação em estruturas mais superficiais, designadamente patologias de ligamentos ou de tendões”, com a aplicação de anestésicos e anti-inflamatórios. Volta e meia, recorre também a esta técnica para mitigar “dores secundárias em processos de artrose” ou em casos em que “não há um diagnóstico tão preciso” e é preciso tratar a dor por área. “Uma das principais indicações nesta área é no caso da dor lombar e cervical, sobretudo quando se trata de uma dor mais difusa, multicausal ou cuja causa é mais difícil identificar.” E sim, há vantagens em relação a outras terapêuticas, considera. “Desde logo porque se trata de uma abordagem com pouca absorção sistémica, reduzindo-se a probabilidade de efeitos secundários dos anti-inflamatórios.” E mesmo que raramente a utilize como abordagem de primeira linha, entende que é “mais uma arma terapêutica ao dispor da medicina, que se pode revelar muito útil”.
Catarina Aguiar Branco, médica fisiatra, presidente do Colégio da Especialidade de Medicina Física e de Reabilitação da Ordem dos Médicos e chair do “Physical and Rehabilitation Medicine Professional Practice Committee” da União Europeia, reconhece que “existem alguns estudos científicos comprovativos dos potenciais benefícios clínicos da mesoterapia em patologias e condições de saúde”. “As microinjecções múltiplas de substâncias, diretamente na derme ou no tecido subcutâneo do local afetado, produzem redução de dor e inflamação local, relaxamento muscular, ação antifibrótica, lipólise, regeneração celular e articular, inibição enzimática, melhoria da microcirculação e da oxigenação local, efeito pró-drenante”, entre outros, elenca. A clínica refere ainda que a mesoterapia é habitualmente associada a “boa tolerância, baixo custo relativo e complementaridade com outras técnicas e terapêuticas”. No entanto, deixa uma ressalva importante: “Existem estudos de baixa qualidade, resultados contraditórios e contraindicações, sendo necessários mais estudos científicos de qualidade.” E sim, também há riscos e potenciais efeitos adversos, ainda que “geralmente leves e autolimitados”. Dor, vermelhidão, edema, tumefação no local, hematomas, hiperpigmentação, reações alérgicas ou mesmo infeções. A propósito, Catarina Aguiar Branco deixa uma outra nota, que pode ajudar a gerir expectativas: “A eficácia da mesoterapia varia conforme o diagnóstico, protocolo terapêutico, tipo de substância utilizada e técnica do profissional”.
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Cuidados a ter (por doentes e profissionais)*:
• realização de avaliação clínica prévia, incluindo antecedentes e contraindicações;
• realização por profissional médico habilitado;
• assepsia rigorosa do local;
• testes de alergia aos princípios ativos injetados;
• utilização de substâncias seguras e regulamentadas;
• realização de técnicas e procedimentos adequados e padronizados;
• metodologia cientificamente aprovada;
• complementaridade com outras terapêuticas de acordo com orientações clínicas;
• monitorização de efeitos adversos;
• realização em ambiente adequado (quando justificado, em equipa multidisciplinar de saúde, sob supervisão médica).
* Recomendações da Ordem dos Médicos