Pai aos 50
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No dia em que morrer o primeiro modo verbal, vai ser o conjuntivo. Os sinais estão aí, para quem os queira ver: o conjuntivo usa-se cada vez menos. As pessoas no café já não usam o conjuntivo. Os artistas de variedades e os comentadores da televisão fogem do conjuntivo como o diabo da cruz. Os próprios jornalistas fintam o conjuntivo.
Os mais novos já nem sequer sabem usá-lo, ou sequer o que ele é. Culpo a ditadura do inglês, em parte: o conjuntivo, no inglês, é apenas um simulacro de si mesmo, dependente do indicativo e, já agora, de uma formulação rebuscada e cansativa – é claro que cada vez menos gente usa o conjuntivo, se estamos todos a falar, ler e pensar em inglês o dia inteiro.
Mas há uma parte dessa erosão que vem da própria natureza do tempo que vivemos (embora a obsessão da língua do cinema e da música pop não possa ser dissociada dela também). O conjuntivo é um modo verbal que se foi afirmando para expressar possibilidades, desejos, dúvidas. O tempo que vivemos não se compadece com dúvidas, prefere os desejos pueris e confunde a possibilidade com a probabilidade.
O conjuntivo não é um modo para este tempo, e este tempo é especialmente expedito em aliviar-se daquilo de que se pode dispensar. O conjuntivo é um modo para um tempo em que as pessoas queiram falar bem, porque com isso cultivam o belo e – mais ou menos importante do que isso – procuram a organização ideal para os seus pensamentos.
Como organizar devidamente o pensamento sem o conjuntivo? Sem todas as aplicações que ele nos oferece entre o presente e o pretérito imperfeito, o pretérito perfeito composto e o pretérito mais-que-perfeito composto, o futuro e o futuro composto? Como deixar expressos todos os matizes de um raciocínio, das suas demandas e alçapões, das suas esperanças e medos, sem as orações subordinadas substantivas, as orações subordinadas adverbiais concessivas, as orações subordinadas adverbiais condicionais, as orações subordinadas relativas, as frases impessoais e todas as demais soluções que o conjuntivo veicula?
Por mim, estou determinado a ensinar o conjuntivo ao meu filho. Às vezes uso tantos conjuntivos, e tão encavalitados uns nos outros, que quem veja de fora há-de achar ridículo. Digo coisas como:
— Oxalá cheguemos a tempo à escola, porque é possível que hoje haja Educação Física e que o pai seja tão mau de bola não é razão para tu seres também.
Ou:
— Duvido que o Bodo de Leite da Terra Chã também tenha cabrinhas, mas vamos procurar um senhor que traga uma bilha consigo, que eu saiba um senhor com uma bilha traz sempre uma cabrinha.
Ando na expectativa da primeira vez que ele o use também, ao conjuntivo. Dedos cruzados!