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Quando o meu filho me dá um abraço espontâneo, daqueles que parecem brotar da súbita consciência de uma felicidade infinita, faz o barulhinho do Godzooky. Talvez não se lembrem: o Godzooky (lê-se "Gádzúki") era o filho do Godzilla, o grande dragão. Na verdade, só sei que o Godzilla era um dragão por ser o pai do Godzooky, indiscutivelmente um dragão pequenino, aliás bastante fofo (e trapalhão como mais ninguém, por via daquela fumacinha que soprava ao tentar cuspir fogo). E, então, quando o Artur me dá um abraço, faz o barulho que ele fazia: uns guinchinhos que pretendem ser adoráveis, que já seriam adoráveis se não procurassem ser adoráveis e que são ainda mais adoráveis por quererem tanto sê-lo.
- Iiiiiihhh... - faz ele, caminhando na minha direcção, com os dedinhos a simular garras dir-se-ia de peluche. Até que me abraça, chegando a cabeça para trás, de modo a olhar-me melhor, e tornando a abraçar-me como se eu fosse o rei-sol (que é como eu me sinto).
E não é só comigo: é com a mãe também. Como com outras pessoas: o avô João, a tivó Romana, o tio Alberto, o tio Paulo, até as educadoras ou os colegas. A todos o Artur dá abraços. A cada um de uma maneira - mas abraços.
E é claro, jamais esqueceremos esta fase da aquisição de linguagem. Todos os dias há coisas novas, que nem imaginamos de onde vêm. "A mamã vem connosco", disse-me ontem, ao sairmos de casa. "Come o ovo, que tem proteína", aconselhou há dias ao Pedro da Sónia. Ideias inusitadas, palavras difíceis, sentido de humor - há de tudo. "É só um bocadinho e depois é mais", brinca agora, sempre que o informamos de que só pode ver um bocadinho de televisão. Até os erros são uma delícia ("Papá, temos de pôr quémre para irmos ver o vovô ao hopistal"). Como o é o surgimento da palavra "eu", que nos últimos tempos substituiu a terceira pessoa, ou "o Tutu". Ou este novo "s" no final da palavra "tu", "tus", porque, se os verbos na segunda pessoa têm "s", então os sujeitos também devem ter. Ou a aprendizagem dos plurais, sozinho pela casa: "Um cão, dois cães! Um cão, dois cães!"
Tudo isso é incrível. Encantador. Isso e mais. A sociabilidade. A curiosidade. A alteridade. Mas o melhor é o mais simples: o meu filho dá abraços.
Dá abraços!
- Paaaaai - suspira às vezes, ao abraçar-me, com uma entoação tão terna quanto se pode imaginar.
- Eu gosta da mamã - anunciou ontem, antes de abraçar a Marta, na primeira evidente declaração de amor que lhe vimos.
Derretemo-nos ambos. Porque o nosso filho é uma criança que abraça. Nada podia ser mais digno de celebração (ou sequer mais importante) do que isso. E, mesmo que a tendência para dar abraços venha dele próprio, pelo menos uma coisa fizemos bem: não lhe destruímos a vontade de dá-los.