
Acessibilidade, flexibilidade, visão geral, alarmes, partilhas em tempo real. São diversos os fatores que devemos considerar na hora de definir a escolha mais adequada ao nosso estilo de vida.
Uns preferem o toque e o cheiro do papel, uma solução à prova de apagões e outros desvarios da tecnologia, juram que se organizam melhor assim. Outros já não passam sem os alarmes, sem a possibilidade de partilhar compromissos com outros e de os atualizar em tempo real. Falamos, pois, de agendas e da "competição" entre o papel e o digital. Haverá uma opção que se sobrepõe claramente à outra? E num mundo crescentemente digital, devemos concluir que, mais dia menos dia, as agendas em papel estão condenadas a desaparecer? Como tantas vezes acontece neste tipo de questões, o melhor será mesmo não embarcarmos em fins anunciados.
Um inquérito feito em 2018 a um universo de mil pessoas concluiu que 70% dos adultos até aos 55 anos usavam principalmente um calendário digital, enquanto cerca de 28% continuavam a usar agenda em papel. Mas vale a pena ressalvar que o estudo foi conduzido pela ECAL, uma plataforma de calendários digitais. Seja como for, parece óbvio que, pelo menos numa dada faixa etária, os calendários digitais parecem estar a ganhar vantagem.
E porquê? Luísa Leal, psicóloga e neuropsicóloga, aponta algumas vantagens. "A rapidez com que se acede a este tipo de calendários e com que se acrescentam novos compromissos. Depois, a acessibilidade. No meu caso, por exemplo, sou um pouco esquecida. Já me aconteceu esquecer-me da agenda física em casa e ter de a ir buscar. No telemóvel, o acesso é mais simples. Além da quantidade de material que é possível armazenar numa só aplicação, da redução de custos e do impacto ao nível da sustentabilidade." Há ainda dois outros pontos que lhe parecem fundamentais: por um lado, a possibilidade de ativar lembretes, de forma a que possamos ser recordados dos eventos mais importantes, com a antecedência pretendida; por outro, a partilha de compromissos, muitas vezes em tempo real. E que pode ser útil tanto num contexto pessoal - pais que partilham um calendário com todas as atividades dos filhos, por exemplo - como numa atmosfera profissional.
Luísa, que tem um centro clínico homónimo, dedicado à saúde mental e bem-estar, em Guimarães, dá o seu exemplo. Na clínica, usam uma plataforma onde são registadas todas as consultas. "Todas as nossas agendas profissionais estão integradas numa só. Temos um calendário semanal partilhado, que depois pode ser filtrado para se verem apenas as consultas de um dado médico, por exemplo. E tem muitas vantagens. Como o facto de ser muito mais rápido ter uma visão geral." Contudo, a especialista reconhece que também há potenciais desvantagens: desde logo, questões relacionadas com a confidencialidade e a gestão dos dados. Além do risco de perda de informação. "Já me aconteceu alguém carregar numa tecla que apagou a minha marcação, por exemplo." Por isso, decidiu apostar na redundância - hoje, além da agenda digital que congrega tudo, tem também uma agenda física para garantir que uma falha tecnológica não a deixa em apuros. "Mas adoro o online. Hoje em dia, sinto que já seria quase impossível organizar-me sem o calendário digital."
Flexibilidade e toque
Há, aliás, várias páginas ligadas à organização pessoal que sugerem que esta solução híbrida poderá ser a aposta mais certeira, recomendando que se use a agenda em papel para planeamento estratégico e o calendário digital para lembretes e anotações rápidas. Até porque, para lá das questões geracionais, também há vantagens muito características do papel. Alessandra Souza, professora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP) e investigadora do Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP), concretiza. "No papel há uma maior flexibilidade e é mais fácil estabelecer conexões entre os vários pontos. Além de ser possível personalizar mais. Há, por exemplo, quem faça desenhos associados a dados compromissos." E quem aposte em calendários de papel em grande formato, que são colados na parede da área de trabalho e acabam por servir de lembrete permanente das tarefas necessárias, "mesmo quando não se está ativamente à procura". "Depois, ainda há pessoas que, mesmo usando calendários digitais, acabam por imprimir também, para o acaso de acabar a bateria, por exemplo, e deixarem de ter acesso. O papel nesse aspeto dá outras garantias." Há até quem jure que registar os compromissos por escrito ajuda a memorizá-los melhor.
A docente explica, a propósito, que as agendas, sejam em que formato forem, cumprem um importante propósito de alívio da carga cognitiva. Simplificando: o facto de registarmos os nossos compromissos liberta espaço no cérebro para outras atividades. É o chamado offloading. Há até um dado curioso: estudos reportam que, para pessoas que tenham défice cognitivo, o treino com agendas e listas acaba por ser mais benéfico do que um treino cognitivo mais geral. De resto, um estudo publicado no "Journal of Consumer Psychology", em 2022, intitulado "How using a paper versus mobile calender influences everyday planning and plan fulfillment" [como o uso do papel versus o uso do calendário digital influencia o planeamento diário e o cumprimento dos planos], concluiu que quem planeava em papel fazia planos de maior qualidade e tinha maior probabilidade de os cumprir. Isto porque, em teoria, o formato físico facilita uma visão global dos compromissos e tarefas.
Por ser uma área pouco explorada a nível académico, falta, no entanto, evidência robusta. A neuropsicóloga Luísa Leal realça outras vantagens da agenda em papel. Por muito que se confesse rendida ao digital. "Além do risco de a informação se perder ser menor, o facto de ser uma experiência tátil e sensorial pode ter a sua importância, pelo menos para uma parte das pessoas. Por vezes, são até agendas perfumadas, o que enriquece a experiência." Para lá desta sedução da sensação tátil, há ainda a vantagem de permitirem diminuir a exposição aos ecrãs e dessa forma aumentar a concentração. "No digital, estamos com a agenda aberta, recebemos um email, distraímo-nos muito facilmente. A possibilidade de não estarmos sempre dependentes da tecnologia também é relevante."
Por tudo isto, parece seguro que, num futuro imediato, a agenda em papel continuará a exercer o seu fascínio, pelo menos junto de uma dada franja da população. Além da competição entre o papel e o digital, Alessandra Souza aponta a preceitos importantes, que devem nortear o uso de agendas, sejam elas quais forem, e que poderão ajudar a potenciar a sua eficácia e utilidade. "Primeiro, é importante perceber quando é que vou fazer essas anotações - e sabemos que quanto mais rápido o fizermos melhor. Depois, há que escolher um método, perceber se revejo sempre os apontamentos num dado momento do dia ou se vou preferir colocar alarmes (no caso da agenda digital). E é fundamental definir prioridades e fazer um planeamento adequado das etapas que vou precisar de cumprir para atingir um dado objetivo", refere. "O que me parece é que ambas as opções se complementam e que vão continuar a coexistir", remata a docente da FPCEUP.

