Pai aos 50
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— Quero cortar copas à Patrulha Pata! – parece-me ele dizer no banco de trás.
Ao pescoço traz o cachecol do Sporting, ou simplesmente “o Sporting”. Olho-o através do espelho e pergunto-lhe o que é o trunfo. Rio-me sozinho. Já não procuro mais do que isso: rir-me sozinho, e com o meu filho, e com a minha mulher.
— Quero procurar compras da Patrulha Pata! – percebo que é o que está a dizer.
E de novo o olho através do espelho, e de novo o cachecol verde é a primeira coisa que vejo. Como é doce, o rosto do meu menino adorável do cinema, ali, no banco de trás do nosso carro caótico e sujo.
— Quero ir às compras para procurar coisas da Patrulha Pata! – concluo que é o que quer dizer.
Isto porque na véspera fomos ao supermercado, onde passou imenso tempo a elencar as coisas da Patrulha Pata que encontrava – fraldas da Patrulha Pata, iogurtes da Patrulha Pata –, e a seguir ao Monte Brasil, “à procura dos animais”, porque desde que voltámos de férias que não se cala com os que vimos no zoo e aqui o que temos de mais vagamente parecido são os gamos e os faisões do Monte Brasil.
Em nenhum desses momentos largou o cachecol do Sporting. Ontem, trazia também o equipamento, que entretanto sujou. No sábado andava com uma bandeira, com que aliás fomos acabar de ver o jogo ao Aliança e depois fazer a festa na Praça Velha.
Vejo-o às voltas com aquele cachecol, “o Sporting”, “onde está o meu Sporting?”, e rio-me do homem em que me tornei. Pergunto-me o que pensaria dele aquele outro homem que fui, arrepiado de vergonha perante a mera ideia de andar com o filho vestido de roupas garridas e parvas, a chamar as atenções, e em vez de me rir condoo-me dele.
Esperei anos suficientes para saber ao menos isso: o que quero realmente, o que sempre quis, é andar pela ilha com a minha cria vestida à Sporting. Quero uma vida normal, igual às outras, alegre sempre que possível, e sempre que possível autocomprazida.
Quero festejar as glórias do Sporting com o meu filho, e recapitular as façanhas que vimos no show dos golfinhos. Quero saber de cor os nomes dos seus colegas da escola e ser capaz de seguir o seu raciocínio sobre qual está zangado com qual e quem namora com quem.
Quero condicionar toda a minha agenda porque o meu filho tem equitação ao fim da tarde e passar os sábados a fazer de motorista entre festas de aniversário. Quero ficar vaidoso dos pequenos triunfos do meu filho e ligeiramente enciumado dos triunfos dos filhos dos outros.
Quero ter conversas inúteis sobre nada, que não vão dar a lado nenhum, e quero constituir uma mitografia familiar feita de suspensão da incredulidade e mentiras piedosas segundo as quais nós temos realmente importância no cosmos. Nós os três, eu, a Marta e o nosso filho. Ou os nossos filhos – porque não?