Consultório de Sustentabilidade, por Joana Guerra Tadeu, ativista pela justiça climática e autora de "Ambientalista Imperfeita".
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Adoro viajar, mas sinto-me culpada de cada vez que sequer penso em marcar o próximo voo. Tenho de desistir de conhecer o Mundo porque fazê-lo está a contribuir para o destruir?
Marta Pereira
A culpa não precisa de ser o souvenir dos viajantes conscientes. O problema está no sistema que transformou o turismo numa indústria extrativista e o Planeta num parque temático low-cost. Mas não há escapatória: a verdade é que temos mesmo, enquanto sociedade, de viajar menos.
Desde 2009, as emissões de carbono associadas ao turismo cresceram 3,5% ao ano, superando em mais do dobro o crescimento médio da emissões globais totais! Esta indústria é responsável por 8% das emissões de gases de efeito estufa e, só o transporte representa 75% das emissões do setor, e prevê-se que estas aumentem 25% até 2030.
Voos low-cost, promoções constantes e redes sociais fizeram explodir o desejo de “ver o Mundo”. Resultado: mais pessoas a viajar, mais vezes, para mais longe. E não é só o transporte: também pesam a comida (18%), os bens, como a bagagem e os souvenirs (12%), o alojamento (6%) e a construção turística (6%).
Pior: 80% das receitas ficam nas mãos de empresas estrangeiras. O que sobra para os destinos? Lixo, salários baixos e praias vedadas à população local. Também aqui, em Portugal, sentimos os efeitos do turismo de massas: gentrificação, sazonalidade e precariedade do trabalho, crise da habitação, desigualdade no acesso à água, que os turistas consomem em volumes obscenos – a ONU estima que 100 turistas consomem água suficiente para alimentar 100 pessoas durante 15 anos.
Este modelo de turismo privilegia a quantidade em vez da qualidade, empurrando muitos destinos para ciclos de exploração ambiental e cultural. A promessa de “conhecer o Mundo” tornou-se uma repetição de Airbnbs, tuk-tuks e brunchs instagramáveis. O turismo de massas alimenta a crise climática e disfarça relações coloniais de férias paradisíacas.
Não somos inocentes – a classe trabalhadora convencida de que é classe média também embarca nesta viagem. Mas a culpa não é de quem quer ir. É de quem transforma descanso em destruição e curiosidade em lucro; de quem faz do turismo uma fábrica de emissões, exclusão e desperdício.
Viajar não é um direito neutro – é um privilégio com implicações estruturais. Pode perpetuar desigualdades ou, com intenção, ajudar a corrigi-las. Viajando menos, por mais tempo, com mais cuidado. Apoiando a cultura e a economia locais. Evitando destinos saturados e épocas altas. Trocando voos curtos por comboios.
Porque o problema não é querer conhecer o Mundo – é querer consumi-lo em pacotes de sete noites com tudo incluído.