Pai aos 50 é um espaço de opinião semanal assinado pelo escritor Joel Neto.
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- Eu gosto do papá - disse-me, completando a quadratura do círculo.
Exultei, evidentemente. Estávamos na Prainha, os três num stress desmedido, eu a tentar lavar-lhe a areia nos duches frios porque sabia que ele ia adormecer no regresso, a Marta a tentar carregar sacos, guarda-sóis, toalhas, brinquedos e sapatos porque sabia que ele me ia dar um tratamento infernal no duche, ele dando-me um tratamento infernal no duche porque sabia que podia. E, de repente, corpo molinho, olhos nos meus, cabeça inclinada, e aí vai ele:
- Eu gosto do papá.
Fiquei tão comovido que quase o esparramei na areia de novo, só para podermos fazer tudo outra vez. Porque, sim, encheu-me realmente de alegria que ele o tivesse dito à mãe, aqui há uns dias. Mas também desejava ouvi-lo, não há como escondê-lo. Com a vantagem de que, dizendo-o, ele demonstraria que nenhum de nós é totalmente incompetente no seu papel, o que não poderá desajudar à sua consolidação como pessoa.
Curiosamente, na véspera tinha tido um momento de cólera inusitado comigo. Estávamos no jardim do hospital, a ver o avô, quando eu o impedi de rastejar na relva suja como um G.I. Joe. Primeiro, foi chorar para um cadeirão ao fundo. Depois levantou-se e correu a toda a velocidade na minha direcção, com um ar totalmente alucinado, decidido - pareceu-me bem - a acabar com a minha raça.
- Ei! - disse eu, esticando um dedo, estava ele a uns três metros de distância. - Cuidado! - Dois metros. - Cuidadinho aí. - Um metro. Deixámos os olhos um no outro, por um instante, e só depois ele recolheu, como o rinoceronte recolhe perante o elefante.
Qual é o verdadeiro Artur? Eis o que às vezes me pergunto, como certamente todos os outros pais se perguntam e perguntaram. O meu filho é o menino adorável que expressa o seu amor pelos pais, um a um, ou o pirralho birrento por cuja cabeça passa que pode cilindrá-los aos dois de uma vez? É o menino assustadiço que ainda há três dias tinha um medo de morte do mar ou o bravo que passou este fim-de-semana aos saltos na rebentação das ondas, explodindo num delírio quando elas o atiravam ao chão? É o bebé chorão que sobe as escadas da creche em pranto, porque não quer ir para a escola de maneira nenhuma, ou o menino feliz que acorda a dizer que tem saudades dos amigos - "Os mês amigues!" - e mal pode esperar pelas nove e meia?
Enfim, talvez seja isso tudo, em maior ou menor grau. E se calhar nem devia ser de outra maneira, porque todos somos múltiplos e vimos de um processo de formação que, se não tiver sido múltiplo, não terá sido nem processo nem formação. Mas confesso que o meu filho não só sentir amor, mas ser capaz de expressá-lo, até desejar fazê-lo, me descansa bastante.
Vai ser importantíssimo na educação do irmão, este menino. Ah, ainda não vos falei nisso, pois não?