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Fecharam o Museu de Antioquia e eu pensei ser boa ideia seguir sob o viaduto ao lado, onde faziam uma feira de velharias naquele domingo à tarde. Julguei que pudesse haver livros, talvez alguns cacos engraçados, pequenos objectos nunca necessários, mas divertidos. Era o povo todo por ali, e à entrada da feira estavam polícias e parecia tudo uma festa sem peneiras. Eu avancei, ingénuo e feliz.
Eram todas as coisas muito tortas. Não sei bem como explicar. Vendiam-se coisas muito tortas, como se fossem mais do que velhas ou usadas, tinham saído do fundo de uma pilha, passado por um peso deformador, como se alguém tivesse juntado apenas aquilo que era para ser plano e virou bicudo, o que era para ser quadrado e se via triangular. Todas as coisas eram deformadas. Podiam, contudo, ser desentortadas, como os livros que se enrolavam como tubos, ou reviravam iguais a carteiras fechadas ao contrário.
Foi a perplexidade de reparar nisto que me fez avançar mais, até passar a reparar nas pessoas. Eram por ali sentadas e deitadas. Muitas pessoas deitadas a dormir sem sentidos. Todas as cidades têm seus bairros estranhos, seus cantos onde se juntam pessoas que acabaram de sair do Woodstock dez vezes. E eu só não ouvi música porque subitamente alguém chamava: Angel.
Reparei na mulher imensa que vinha rua abaixo para pegar uma sacola. Era uma mulher imensa de pénis imenso e estava integralmente nua. Aliás, era como apanhada no mar, porque havia uma rede sobre seu corpo, muito justa, que não servia para cobrir, apenas constranger. E ninguém se surpreendeu. Só eu. Que uma mulher fosse tão grande e tão nua, com um pénis quase outro animal, e que se chamasse Angel e viesse brilhando naquela rua sombria, era algo que eu poderia ter sonhado mas jamais acreditaria acontecer.
Quis muito que me visse, porque tenho a convicção de que ao coincidirmos o olhar nos podemos afundar mutuamente. Queria ter acedido ao que há dentro de uma pessoa assim. Não me olhou. Talvez não suportasse aprender o que uma pessoa como ela teria para me ensinar. Não sei.
O rapaz do carro que veio buscar-me achou aberrante que um gringo como eu estivesse ali. Não me ocorreu dizer-lhe que poderia ter visitado amigas. Expliquei, com toda a ingenuidade, que o museu fechou e os anjos eram soltos. Para mim, bastava.