Cidadania Impura
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Assim, fomos ao casamento e éramos os mais lindos, eu e a minha mãe. Estávamos mesmo muito chiques, sentados em poses de revista para parecermos educados e cheios de patine. Nas festas, temos de fazer de conta que somos todos polidos, com muita cultura, livros na cabeça, sinfonias no “sunset”. Levantamos o nariz e é como se tocassem Brahms ao invés daquela batida que não se altera, igual a uma máquina de lavar roupa que sonha ser cantora.
A malta jovem muito espantada com a nossa elegância e fineza. Todos cobiçosos de serem como nós, lindos e maravilhosos e com trombas da mania para não nos misturarmos e ocuparmos sempre o sofá à sombra para não morenar, porque as pessoas muito ricas jamais apanham sol, ficam cor de papel, parecem mortas há anos. E o casamento foi divertido, porque é um entretenimento ver a felicidade, e eu e a minha mãe só comíamos camarões e caviares, e bebíamos laranjas espremidas na hora e a água suja americana. Estávamos como a dar na televisão. Perfeitinhos. E logo à entrada da quinta para que quem viesse tivesse de passar pelo nosso juízo, que foi sempre muito favorável por sermos cândidos e generosos, estarmos também felizes e edificantes.
Ir a um casamento dá-nos uma trabalheira tão grande que não pode haver falhas. São meses de dieta para cabermos nos padrões das capas das revistas. Depois, um investimento louco em panos das marcas mais frescas, porque é verão e faz calor e nós não podemos ser vistos com suor na testa, incomodados com isso de chinfrim que é o clima. As pessoas muito finas estão sempre perfeitas como as estátuas. A fineza é da ordem de um Miguel Ângelo no melhor dos mármores. E nós estávamos marmóreos com a frescura dos morangos.
Até nos Clérigos, onde foi a cerimónia, nós competíamos com a beleza dos adornos e dos santos. Toda a gente dizia que nós é que devíamos estar nos nichos, abençoando o Mundo com a graça de nossa sofisticação. Mas eu tenho vertigens. Se algum dia for santo não quero estar nas alturas. Quero pousar no chão, perto de quem veja bem meus olhos sinceros e profundos.
A Bruna e o Ricardo casaram-se sob a bênção do padre Manuel Fernando, que é um amigo. Fiquei feliz. Os amigos são quem nos deve sempre abençoar. Porque nos entendem melhor nas nossas falhas e apostam, pela amizade, que esperam de nós um ajuste com o tempo. Com o tempo, prometemos todos melhorar. Os amigos são-no porque confiam e esperam nisso.
Claro que, primeiro, está o gabarito. Eu e a minha mãe rimos muito. Para nós, Aveleda foi mais do que a escadaria de Roma, a margem do rio de Paris ou a quinta avenida de Nova Iorque. De vez em quando, mesmo sem querermos, somos os maiores. Lindos e vestidos para estarmos felizes. Como as crianças numa fantasia.