Roteiros exclusivos, jatos particulares, motoristas, refeições privadas em palacetes, fatos à medida com o melhor tecido do Mundo, suites de milhares por uma noite. Carros, joias, roupas. O luxo. “La crème de la crème”. Há excentricidades que só afortunados conseguem realizar no nosso país. Gente rica é outra coisa.
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Ayres Gonçalo está habituado a trabalhar no mercado de excelência, é um dos alfaiates mais seletivos do país, atende por marcação, à porta fechada, clientes com elevado poder económico. “É tudo exclusivo. O cliente pode escolher desde a cor da linha à casa dos botões”, refere. Arte minuciosa, sofisticada e luxuosa, que vai ao detalhe do detalhe. Cada peça é única, é feita à mão, e tem um preço. Um fato da Ayres Bespoke Tailor custa, no mínimo, 3500 euros.
“Trabalhamos com qualidade, não a quantidade.” Há dias, Ayres Gonçalo, oriundo de uma família tradicional de alfaiates do Porto e com currículo de sucesso – trabalhou em Madrid, Londres, Nova Iorque –, estava a terminar dois casacos para um casamento em São Paulo, Brasil. Tem clientes em várias partes do Mundo, 80% são estrangeiros, 20% portugueses, dos quais 10% não vivem em Portugal. “O atendimento é privado, as pessoas são muito discretas.” É clientela exigente, que sabe o que quer. Se quer uma linha de ouro, arranja-se. Se quer o melhor tecido do Mundo feito de vicunha, animal que vive nas montanhas do Peru, da família dos lamas, que é tosquiado, trata-se disso.
O chef Rui Paula, com duas estrelas Michelin, é requisitado para serviços privados em palacetes, casas particulares, hotéis, onde o apetite quiser, tanto por cá, como lá fora. Já viajou para o Brasil, Macau, Inglaterra, França, entre outros países, para cozinhar para clientes de carteiras recheadas. A sua presença tem um preço. O seu preço.
A Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira, o DOC na EN222, em Armamar, rente ao Douro, e o DOP no Largo de São Domingos, no Porto, os três restaurantes do chef Rui Paula, podem fechar a pedido, para almoços e jantares privados, ementa à escolha. São pedidos especiais para clientes com arcabouço financeiro. O preço é calculado como casa cheia, independentemente do número de pessoas à mesa, por almoço ou jantar, por um dia ou uma noite.
Luxo é sempre luxo. Um avião privado, uma viagem entre o Alentejo e o Douro com uma seleção exclusiva de gastronomia e vinhos a bordo, provas comentadas por quem percebe da essência da matéria-prima, motorista privativo à disposição em terra, estadias em hotéis de luxo, refeições ao mais alto nível, um passeio de balão, a oportunidade de conduzir automóveis de marcas de topo – Bentley, Porsche, Ferrari, Aston Martin, Rolls-Royce, Lamborghini – se assim apetecer. Sete dias, oito pessoas no máximo, desde 30 a 35 mil euros por cliente, num roteiro exclusivo com o nome “Portugal Signature Wine Journey”, a mais recente proposta da Luxury Tours Portugal, uma das três marcas do Grupo Wine Tourism in Portugal, especializado em experiências personalizadas em turismo vínico, gastronómico e de luxo em Portugal. “São itinerários feitos à medida para um segmento mais que premium. São programas exclusivos, um pouco fora da caixa, na forma como são desenhados e criados”, explica Sílvia Ferreira, fundadora e diretora-geral do grupo. “São viagens sensoriais, que tocam nos sentidos. É isso que vai tornar a experiência memorável.” Luxo e requinte para quem pode.
Há outras propostas ao dispor. Navegar em barcos e iates privados, com chefs a bordo, provas de vinhos comentadas, dormidas em quintas do Douro ou no mar, seis ou mais noites, motorista para o que for preciso, a partir de oito mil euros por pessoa. Há mais possibilidades. Fechar uma loja na Avenida da Liberdade, em Lisboa, com serviço de consultoria de moda. Fechar um museu para uma visita privada. Cruzeiros exclusivos, passeios de jipe pelas vinhas do Douro, almoços e jantares em embarcações de luxo, reservar um restaurante com estrelas Michelin, visitas privadas a caves e adegas antigas. “São experiências diferenciadoras que permitem usufruir de Portugal de uma forma que sozinhos não pensariam usufruir, olhar para Portugal de uma forma diferente.” As paisagens, os sítios, os lugares, a terra, o mar, o céu, o clima, os vinhos, a gastronomia. “Portugal tem todas as condições para se apresentar como um destino de luxo”, diz Sílvia Ferreira.
O cardápio do grupo inclui experiências corporativas, para homens e mulheres de negócios, como viajar de helicóptero depois de uma reunião de trabalho para mudar de ares e almoçar no Douro, sair de Lisboa em direção ao Norte e voltar no mesmo dia, por quatro, cinco mil euros. Só ao alcance de alguns.
Portugal como território de excelência
O slogan do Euromilhões, a criar excêntricos todas as semanas, colou-se aos ouvidos dos portugueses e à vida de Amélia de Jesus, empregada de limpeza de Marco de Canaveses que, em 2013, ganhou um prémio de 51,6 milhões de euros, 41 milhões limpos com impostos descontados. Euromilionária excêntrica de um dia para o outro? Talvez. A resposta não é sua. Tem o telemóvel em sinal automático de ocupado, não atende, presume-se estratégia para números desconhecidos.
Ao longo dos anos, as suas excentricidades foram sendo tornadas públicas, comentadas e esmiuçadas até. Comprou carros de luxo, um Aston Martin, um Jaguar, um Porsche verde-alface, um Ferrari personalizado, roupas e joias, ajudou os mais próximos, ofereceu festas aos conterrâneos, pagou 30 mil euros por um bypass para perder peso. Comprou, entretanto, um caixão que lhe custou mais de 200 mil euros feito de pau-santo da Amazónia, que veio do Brasil, e avisou quem falou do caso que gasta o dinheiro como quiser, porque é seu, e que se lhe apetecer vai vestida de ouro.
No mês passado, numa entrevista exclusiva à “TV Guia”, talvez uma reação aos comentários de que tinha estourado tudo e que estava falida, Amélia de Jesus não se conteve e informou que agora tem uma fortuna de 80 milhões de euros, cinco milhões à ordem no banco, vários investimentos em imóveis, vida desafogada. E até agradeceu esse diz que disse. “As pessoas são muito mentirosas e inventam muitas coisas, mas olhe que assim até foi bom porque deixaram de me incomodar à porta a pedir dinheiro. Todos os dias tinha aqui gente a pedir-me dinheiro. Agora que saiu essa notícia, mais o caraças, estou consoladinha”, referiu. Talvez por isso não atenda o telemóvel.
Há luxo em Portugal, sim senhor, mercado para aproveitar, potencial para desbravar. A Laurel – Associação Portuguesa de Marcas de Excelência é prova disso. Surgiu há três anos e meio para preservar, partilhar e valorizar o conhecimento e o saber fazer português, destacando a autenticidade e a inovação que sustentam o luxo nacional, criando pontes com o mercado internacional, promovendo iniciativas estratégicas, eventos exclusivos, parcerias à escala global.
Há todo um mercado a acontecer para quem aprecia a excelência. A Laurel tem, neste momento, 50 marcas associadas (Vista Alegre, Savoy Palace, Hotel Palácio Estoril, Atelier Nini Andrade Silva, Amorim Luxury, Joana Vasconcelos, Sogrape, Renova, são algumas delas) e é membro da ECCIA – European Cultural and Creative Industries, que congrega as 750 marcas de excelência mais importantes da Europa, que representam 4% do PIB da Comunidade Europeia. E isto não é um pormenor. Há trabalho feito.
Francisco Carvalheira, secretário-geral da Laurel, com 35 anos de experiência no luxo, professor em Gestão do Luxo, trabalhou na aviação privada, realça o que está a ser feito e os propósitos: “Proteger o saber-fazer português e colocar Portugal e as suas marcas num radar em que não estavam”. “Portugal é um país agradável, é um país seguro, com 900 anos de história. Existe aqui um cocktail que se tornou extremamente atrativo”, sublinha. Atrativo para milionários de todo o Mundo voarem para Portugal, leia-se. “Um americano não se importa de pagar 15 euros por um café, desde que tenha um serviço equivalente”, avisa, lembrando que 20% dos turistas que vêm a Portugal são gente com altos rendimentos que representam cerca de 80% das receitas totais. “Temos tudo para estas pessoas.”
Corresponder às expetativas de clientes de luxo que já vivem no luxo exige do bom e do melhor, minúcia, parceiros de topo, flexibilidade de ajustes. A Luxury Tours Portugal, como marca de concierge de luxo em Portugal, não facilita. Garante exclusividade e privacidade, conforto e sofisticação, viagens preparadas com precisão para um público com alto poder de compra e interessado em experiências personalizadas. Há propostas para cima de 100 mil euros por casal. “Juntamos um puzzle para o cliente usufruir ao máximo das experiências que Portugal tem para oferecer”, salienta Sílvia Ferreira. Cada desejo é um desejo. Um lugar reservado num restaurante não é apenas um lugar reservado porque ali todos sabem, de quem atende a quem cozinha, quem é aquele cliente, do que gosta, do que não gosta, se tem intolerâncias alimentares. E por aí fora.
A procura das propostas do Grupo Wine Tourism in Portugal é sobretudo estrangeira, dos Estados Unidos, Brasil, Itália, Austrália, Canadá, Reino Unido, França, Suíça, Escandinávia, Holanda. Mas há, cada vez mais, gente portuguesa a reservar roteiros. Sílvia Ferreira já falou sobre isso. “Já não são apenas os turistas internacionais que procuram este tipo de experiências sofisticadas e personalizadas, que vão muito além do convencional. Também temos muitos portugueses a contactarem-nos para viverem estes roteiros autênticos dentro do seu próprio país.”
“O nosso país é um imenso restaurante, economicamente falando.” A frase não surge por acaso. O chef Rui Paula aproveita a conversa do turismo de excelência e do mercado de luxo para tecer algumas considerações, lembrando que a gastronomia e a hotelaria continuam arredadas dos discursos políticos, quando têm um peso importante no PIB nacional. “Com tantos chefs que temos em Portugal, porque não estão em grandes capitais, nas zonas premium?”, questiona. E porque é que as grandes cadeias de hotéis, as melhores das melhores, não se instalam no nosso país? É outra questão. “São necessárias medidas muito sérias, linhas bem orientadas, para ir buscar esse turismo de excelência”, defende. No seu entender, há passos a dar.
Não foi propriamente turismo, mas foi notícia. Em dezembro de 2018, o presidente chinês, Xi Jinping, terá pagado dois milhões de euros para fechar o Ritz de Lisboa, o que aconteceu pela primeira vez. O hotel ficou por sua conta, e da sua comitiva, durante dois dias. Não é para todos, só para alguns. O histórico hotel é o luxo em si. A suite Almada Negreiros, com 175 metros quadrados, custa algo como 18 mil euros por noite. A suite presidencial, no último andar, com vista para o Castelo de S. Jorge e para a Basílica da Estrela, ficará por mais, o preço não está indicado no site. É preciso ligar. Só ao alcance de poucos.
Desejos, fortunas, negócios
Madonna é Madonna. A rainha da pop pode tudo… ou quase tudo. Em 2019, durante o período em que Portugal foi sua casa, a cantora quis levar um cavalo para um palacete de Sintra para as filmagens de um videoclipe. Apesar de várias tentativas, bateu com o nariz na porta. Basílio Horta, presidente da Câmara de Sintra, negou-lhe a vontade, disse publicamente que em condição alguma deixaria um cavalo entrar no palácio, que é de todos e não pode ser estragado, que a ideia não fazia qualquer sentido. O autarca ainda comentou, a propósito do assunto, que há coisas que o dinheiro não compra e que nenhum português se atreveria a tentar semelhante coisa.
A verdade é que Madonna, poucos anos depois, teve direito a cavaleiro em tronco nu montado a cavalo a entrar num palácio, em Lisboa, na festa dos seus 65 anos. Excentricidade e extravagância não faltaram a este aniversário em Lisboa. À grande e à Madonna com passeios num veleiro e a cavalo, lá está, dias em locais de luxo, como Comporta e o Palácio do Grilo, onde soprou as velas num bolo dourado, com a letra M, servido num altar.
Cristiano Ronaldo é Cristiano Ronaldo, tem muito dinheiro, a sua marca CR7 valerá qualquer coisa como 850 milhões de euros, a sua fortuna andará à volta dos dois mil milhões de euros. Um investidor fora dos relvados com participações em empresas de luxo, uma máquina de fazer dinheiro. Tem jato particular, iate de luxo, joias e relógios (tem um Rolex que custa à volta de dois milhões), uma coleção de carros de respeito. Ninguém como ele para se dar ao luxo de oferecer, como prenda de padrinho de casamento de Jorge Mendes, na altura seu agente, uma ilha na Grécia que terá custado, consta-se, mais de 12 milhões de euros.
As estátuas nos museus de cera, espalhados pelo Mundo, têm implantes de cabelo natural vindos da Índia. No de Madrid, Cristiano pede, ou pelo menos pedia, ao seu cabeleireiro pessoal para ir ao museu pentear o seu cabelo da estátua uma vez por mês, segundo contou, em tempos, um assessor de imprensa do espaço. Ronaldo gostou tanto dessa estátua que pediu uma réplica para ter em casa, o que lhe terá custado cerca de 27 mil euros. Quem pode, pode, e Cristiano pode. A última novidade, tornada pública, é que o jogador é agora dono de um estúdio de cinema independente, numa parceria com o realizador britânico Matthew Vaughn. Não foi anunciado o valor do investimento, nem detalhes do negócio, tão-pouco como será o primeiro filme da era Ronaldo. “Este é um capítulo entusiasmante para mim, enquanto olho para novas oportunidades de negócio”, frisou, em comunicado. Dinheiro gera dinheiro. Luxo mais luxo.
Quando uma igreja portuguesa é colocada à venda, só um milionário a poderá comprar, com certeza. Foi o que aconteceu à Igreja de São Pedro e São Paulo, no Convento dos Inglesinhos, conhecida como a Igreja dos Inglesinhos, no Bairro Alto, em Lisboa. Um edifício do século XVII, comprado por um investidor francês, que pagou 1,5 milhões de euros com o olho no negócio, ou seja, reconverter o convento para fins residenciais.
Comprar uma porção de terra, e pedaços da sua história, é só para quem pode. Há uma aldeia abandonada no concelho de Marvão à venda por nove milhões de euros. O anúncio da venda da Herdade do Pereiro, propriedade da família Sequeira, espalhou-se depressa, há cerca de um mês. Nove milhões por uma área de 80 hectares com casas, uma escola, uma capela, lojas, oficinas, adegas e lagares de azeite, e até uma estância termal há muito desativada, em pleno Parque Natural da Serra de São Mamede. No século passado, era uma comunidade que dava trabalho a mais de 500 pessoas, agora território abandonado desde os anos 1990, com olival centenário, que espera uma mãozinha de alguém com poder económico que poderá fazer o que lhe apetecer: recuperar o que existe ou mandar tudo abaixo e construir de novo, ou simplesmente usufruir daquela paisagem. Dependerá do grau de excentricidade do comprador que saberá que naquela herdade existiu uma pista de aviões e que a área habitável chega aos 20 mil metros quadrados. O futuro da herdade estará, assim, nas mãos de um milionário.
Há também novas de uma casa em construção a sul, no Algarve, provavelmente a mais cara do país, fala-se de 45 milhões de euros. Luxo não falta à descrição da moradia com oito suites, cozinha com 4,5 metros de pé direito, piscina coberta, adega, 13 hectares de terreno, uma floresta privada, pontes panorâmicas. Ao alcance de poucas carteiras.
A arte portuguesa tem valor. Há dois anos, uma obra de Paula Rego atingiu 3,5 milhões de euros num leilão em Londres, valor recorde para a artista portuguesa. Haverá outros objetos artísticos criados em solo nacional vendidos a milionários. Há restaurantes que compõem ementas e convidam chefs internacionais a mais de 500 euros por pessoa. Há monumentos e edifícios, como o Mosteiro dos Jerónimos e o Palácio da Bolsa, que podem ser requisitados para banquetes de luxo ou outros eventos.
Poderá ser uma excentricidade ou talvez não, dependendo da perspetiva. Alexandre Soares dos Santos, dono do Grupo Jerónimo Martins, com uma personalidade singular, presença mais do que assídua nas listas dos mais ricos do país, criou, ainda em vida, dez anos antes de morrer, a Fundação Francisco Manuel dos Santos para, escreveu, “estudar os grandes problemas nacionais e levá-los ao conhecimento da sociedade civil”, expressando o desejo de uma sociedade ativa, consciente dos seus direitos e deveres, ciente das suas responsabilidades. “Que obriga os seus deputados e o seu governo a ouvi-la e a decidir de acordo com o que ela quer”, acrescentou. A fundação gere o portal Pordata, base de dados de um Portugal contemporâneo, investe em pesquisas e em estudos, tem uma coleção de livros de ensaio sobre temas da atualidade, publicados regularmente e a preços reduzidos. A sua fortuna, que chegou a ser avaliada em mais de três mil milhões de euros, também tem sido aplicada no conhecimento e no saber.
A Luxury Tours Portugal olha à volta com a harmonia entre luxo e autenticidade debaixo de olho. Tem um roteiro exclusivo desenhado em colaboração com o artista contemporâneo e influenciador de luxo, o francês Louis-Nicolas Darbon, em regiões como Douro, Lisboa, Sintra, Cascais, Comporta, que inclui detalhes como um iate de madeira do século XIX, uma embarcação italiana de 14 metros, um chef Michelin, almoço numa varanda com vista para vinhas, noites no luxo, jantares sofisticados, por cerca de 10 mil euros por pessoa.
O alfaiate Ayres Gonçalo costura as melhores matérias-primas no segmento de luxo no seu ateliê no número 22 da Praça D. Filipa de Lencastre, no Porto. Vai mudar-se, entretanto, para perto do rio, para a Rua do Ouro, junto ao Douro. Um espaço que permitirá ao cliente observar a produção na oficina através de um óculo redondo, semelhante aos das portas de cozinha. Tem outro ateliê em Lisboa, na Avenida da Liberdade, onde atende com hora marcada. Os seus fatos são caros, não há um valor máximo estipulado. O cliente quer e deseja, o cliente compra e usa. “O céu é o limite”, garante. Não para todos, só para quem pode.