As intervenções para melhorar a beleza genital têm vindo a ganhar adeptas de todas as idades. Não existem dados em Portugal, mas sabe-se que as labioplastias cresceram quase 50% desde a pandemia a nível mundial. Duas mulheres contam como as suas vidas mudaram. Não se trata só de imagem. Também é por razões funcionais e de autoestima.
Corpo do artigo
Maria tem 52 anos, fez um peeling íntimo há cerca de três meses e, para lá da autoestima e da estética, sente que conseguiu superar "episódios traumáticos vividos em criança". Inês, também da mesma idade, submeteu-se há menos de um ano a uma correção de uma labioplastia anterior e venceu o "desconforto de usar calças", "ter relações sexuais" ou "ir à casa de banho".
Estas duas mulheres, que deixam o seu testemunho sob anonimato, revelam que se submeteram a intervenções íntimas por razões estéticas, funcionais e até de amor-próprio, e que, em poucos meses, as suas vidas mudaram para melhor. "Uma amiga perguntou-me por que o fiz, uma vez que se trata de uma zona escondida. Pois, para mim, não está escondida, há anos", justifica Inês.
Ambas recorreram a procedimentos estéticos na zona íntima, uma tendência crescente em Portugal e lá fora. Embora por cá não existam números, o peeling genital, que consiste na melhoria da textura e coloração da pele na região genital feminina, "tem sido muito procurado nas consultas de ginecoestética praticamente em todo o Mundo", revela a presidente da Comissão de Ginecoestética da Sociedade Portuguesa de Medicina Estética (SPME). Isabel Hermenegildo é, aliás, uma das médicas que tem vindo a dar formação fora de portas nesta matéria.
Já no caso da labioplastia, a cirurgia plástica dos lábios vaginais e que pode incluir intervenções como a redução ou remodelação dos grandes e dos pequenos lábios (ninfoplastia), o crescimento mundial tem sido exponencial. Em 2024, foram feitos mais de 210 mil procedimentos em todo o Mundo, um aumento de 48,2% face a 2000, ano da pandemia, referem os dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética. O aumento da procura traduz "uma maior consciência e informação sobre a anatomia genital", sendo que "a influência das redes sociais para a "normalização" e a quebra de tabus, as motivações funcionais e os avanços técnicos" estarão a contribuir para que estes procedimentos sejam cada vez mais "simples e de rápida recuperação", explica a cirurgiã plástica Rita Valença.
Peeling: "Fica-se muito mais feliz e confiante"
Há já longo tempo que Maria andava a pensar neste aclaramento vaginal. Pesquisou, ouviu amigas que tinham feito e gostado e, há cerca de dois anos, iniciou o processo para fazer o peeling íntimo, "por uma questão de autoestima". "Concluí há cerca de três meses, antes da época da praia, porque não é a melhor altura por causa do sal, da areia, do cloro e do sol", avisa. Um processo que diz ter sido "praticamente indolor" - "a depilação a laser e as tatuagens doem bem mais" - e que passou por uma "ligeira sensação de queimadura". "Fiz o processo três vezes e adquiri a tonalidade que queria, ficou rosada, estou muito feliz", conta.
Este "procedimento não invasivo" consiste, segundo a médica Isabel Hermenegildo, na "aplicação na pele de produtos que contêm ácidos suaves, que vão causar descamação em três a cinco dias, promovendo renovação celular e resultando numa pele mais elástica, hidratada e de coloração mais clara e uniforme". Um tratamento que implica uma "avaliação médica prévia especializada da utilizadora" e que "deve ser repetido, geralmente, entre três a seis sessões, separadas de duas a quatro semanas".
"As pessoas que têm vontade de o fazer, deviam. O resultado é bom, fica-se muito mais feliz e confiante", garante Maria, que conquistou muito mais do que isso. "Tenho uma história pessoal pesada e este procedimento arruma um bocado essa parte marcante e negativa na minha vida. Tinha a sensação de olhar para mim e não gostar do que via, talvez porque associasse a episódios traumáticos em criança", confessa, de voz trémula. O peeling "foi uma tentativa de superar um trauma, e acho que consegui um pouco", confidencia.
Labioplastia: vencer um "incómodo" que durou anos
Dois filhos que nasceram de parto normal fizeram com que Inês, há cerca de dez anos, começasse a não conseguir ignorar o inconveniente que era sentir os "[grandes] lábios ficarem mais flácidos". "Não gostava deles, tinha excesso de pele, magoavam-me quando usava calças, por causa da costura, estava desconfortável quando ia à casa de banho e sentia incómodo nas relações. Não só por questões estéticas, tomei a decisão de fazer a labioplastia também por conforto", justifica.
A primeira tentativa que fez foi há cinco anos, mas não correu como esperado. "Deixaram-me o lábio ainda grande e não ficou com a forma correta", recorda, continuando a viver com os mesmos problemas que tinha antes. Em dezembro último, voltou à sala de operações. "A recuperação foi muito fácil, não tive dor, tive de ter alguns cuidados nos primeiros dias e os pontos foram caindo por eles. Em 15 dias recuperei e correu superbém", partilha Inês.
Não relatou este desconforto permanente aos ginecologistas porque "eles dizem sempre que é normal" e sentia que "seria incompreendida". "Falei com o meu marido e ele disse que isto não o incomodava, mas, se era para me sentir bem, disse que eu devia fazer." E assim foi, mais de 20 anos depois de ter sido mãe pela primeira vez. "Se não nos sentimos bem com o nosso corpo, temos mesmo de procurar ajuda", recomenda.
A cirurgiã plástica Rita Valença salienta que a labioplastia é um "procedimento muito procurado por mulheres com idades entre os 18 e os 40 anos, embora se estenda até aos 50, 60 anos, sobretudo em casos de alterações pós-parto ou menopausa". Entre os motivos que empurram as mulheres a procurarem estas soluções estão os de ordem funcional, "como o desconforto físico caracterizado pela dor ou atrito ao caminhar, correr, andar de bicicleta, ou fazer desporto em geral". Somam-se-lhes "a atividade sexual" ou o risco de "menor higiene genital, com maior probabilidade de corrimento vaginal e infeções genitais", a par do "incómodo em usar calças justas, leggings, fatos de banho ou biquínis". Fatores que não excluem, claro, o lado mais estético e que, como refere a médica, "impactam diretamente na autoestima da mulher: a vergonha ou o constrangimento durante as relações sexuais, desejo de sentir os genitais mais "harmoniosos" ou "jovens"" e até a sensação de "desproporção face ao resto do corpo".
Para lá das redes sociais, Isabel Hermenegildo elenca também "os filmes pornográficos ou não, os movimentos migratórios e a globalização" como "fundamentais para estas solicitações, que são horizontais desde a Europa ao continente indiano, africano e Médio Oriente".
"Redes sociais ajudam a tornar o tema menos tabu"
Certo é que as intervenções genitais escalam, com alertas recentes de especialistas em saúde mental para os riscos de procedimentos em jovens, algumas menores de idade. A mais nova que a cirurgiã plástica acompanhou tinha 14 anos e foi submetida a uma ninfoplastia. Da sua prática clínica, Rita Valença diz que, quando estes casos chegam, "não é por uma vontade ou uma moda, como as maminhas pequenas ou grandes, é porque impacta do ponto de vista emocional e funcional: as pacientes têm assimetrias e, por vezes, hipertrofia" nos genitais.
Perante menores de idade, a cirurgiã realça ter "um protocolo próprio" que gostava de ver alargado: "A avaliação tem de ser individualizada, incluir conversa com pais, verificar grau de maturidade da paciente, ter o desconforto validado por um psiquiatra ou psicólogo clínico".
A médica crê que o online - e as imagens de alegada perfeição que aí abundam - tem "impacto muito significativo", mas não tanto no sentido de "generalizar" este tipo de intervenções estéticas. "Sinto que as redes sociais ajudam a tornar o tema menos tabu, não propriamente a vulgarizá-lo. As pessoas acham que até é algo comum e procuram depois o apoio profissional", considera.
Sejam menores ou maiores de idade, Rita Valença advoga que, em intervenções estéticas genitais, é "essencial distinguir se a motivação está baseada num padrão estético irreal ou num desconforto funcional real, esclarecendo a anatomia normal durante a consulta". "Deve-se igualmente avaliar o estado psicológico e a expectativa, para evitar insatisfação pós-operatória ou cirurgia motivada apenas por pressão externa", aconselha.