Entre golos e silêncios, afinal, o avançado convertido em médio sempre tinha características de líder para ser treinador. Levou a seleção de sub-17 à conquista do título europeu.
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Foi o troféu de melhor marcador do torneio de Évora que impressionou a mãe e determinou a vida de Bino. Mas voltemos atrás para perceber como começou a carreira de futebolista do selecionador de sub-17 que se sagrou campeão europeu. Na altura, Leopoldo, celebrizado “Bacalhau”, treinava os iniciados do F. C. Porto e andava a tentar convencer os pais de Bino a deixá-lo jogar com a camisola dos azuis e brancos. Mas o pai receava que perdesse as aulas e não queria sujeitar o filho a mudar a sua rotina para ir jogar à bola. “Foi muito complicado levar o Bino para o F. C. Porto, porque a mãe estava de acordo, mas o pai não. Não queria que ele perdesse as aulas. O pai não se convencia, apesar de eu lhe dizer que ia e vinha comigo todos os dias”, lembra “Bacalhau” à NM. O treinador nunca desistiu de levar o miúdo e aproveitou o torneio de Évora, em que os dragões participavam regularmente, para uma abordagem diferente. “Aproveitei o pretexto do torneio e para voltar a ir falar com o pai dele e pedir autorização para que o deixasse jogar pelo F. C. Porto. Depois de alguma insistência, o pai lá acabou por autorizar o Bino a ir connosco e ele regressou com o troféu de melhor marcador do torneio. Vencemos o Boavista na final por 11-0.”
Ao intervalo dessa final, os golos de Bino já tinham feito estragos e, a certa altura, vieram pedir ao F. C. Porto para levantar o pé do acelerador: “Acho que já estávamos a ganhar 6-0 ao Boavista e o antigo árbitro, o Carlos Valente, um dos organizadores do torneio, veio ter connosco a pedir para não marcamos mais golos, porque desprestigiava o torneio. Mas falei com o Bino, que já tinha marcado uns três ou quatro, e disse-lhe que queria mais golos. Ele ria-se com aquele ar inocente... Agora quero que marques o dobro, desafiei-o, e marcou mais, já não me recordo ao certo quantos, mas foi o melhor marcador do torneio”.
Aquele sorriso “inocente” deixava transparecer uma criança feliz, introvertida, apesar de tudo, a quem era preciso arrancar a ferros umas palavras nas viagens da Póvoa de Varzim para o Porto. Sim, porque quando chegou de madrugada a casa com o troféu de melhor marcador do torneio, a mãe nem queria acreditar, mas a estratégia de “Bacalhau” para ganhar uma aliada e convencer o pai resultou. No dia seguinte, Bino estava autorizado a juntar-se à equipa de iniciados do F. C. Porto. Na altura, Tulipa e Rui Jorge faziam parte da mesma equipa e entre os três nasceu uma amizade consolidada pelos anos. “Casei cedo e os pais dele ajudaram-nos muito. Dos sub-15 até à fase adulta, andamos sempre muito juntos. São pessoas que marcaram o meu crescimento pessoal”, confidencia Tulipa à NM. “Aliás, ainda hoje muitas pessoas me confundem com ele. Perguntam se sou o Bino, digo que não, mas que sou amigo dele.”
Na transição para os seniores, muita coisa mudou para Bino. “Foi um pouco estranho. Na formação, ele era avançado e nos seniores começou a jogar como médio”, recorda Tulipa, que partilha também uma “mágoa” do passado. “As maiores tristezas que tivemos até foram duas, a primeira foi não ganharmos o campeonato de sub-15, apesar de vencermos nos outros escalões todos a seguir. E depois, pela trajetória que teve, devia ter feito parte daquela geração de ouro que ganhou o Mundial de Lisboa, com Carlos Queiroz, em 1991. Não foi chamado, mas tinha espaço na equipa. Se ficou alguma mágoa dessa altura, com este título deve ter acabado por afogar todas.”
Casado e pais de dois filhos, discreto e pouco falador, quem adivinharia que Bino se tornaria treinador? “Como ele era bom estudante, sempre achei que iria enveredar por outra coisa. O perfil dele não encaixava, na minha opinião, no de treinador, porque um treinador tem de berrar ou dar uns murros na mesa, de vez em quando, e ele não tinha isso. Mas fico muito feliz por ele ter sido campeão da Europa”, diz “Bacalhau”. Já Tulipa tem outra opinião: “Não tem receios, já treinou no futebol profissional e na formação, é muito competente, sabedor daquilo que pretende no jogo e no crescimento da individualidade, por isso não me surpreende e fico contente porque gosto dele e da família”.
Augusto Inácio foi um treinador que marcou a carreira de Bino. Primeiro, nos juniores do F. C. Porto, depois no primeiro ano de sénior, emprestado ao Rio Ave, até se voltarem a cruzar no Sporting no início do século, acompanhado de Rui Jorge, com quem rumou a Alvalade, numa pouco habitual troca de jogadores entre o F. C. Porto e o Sporting, que levou Peixe e Costinha para as Antas. A troca surtiu efeito e os leões conquistaram o título 19 anos depois. “No Sporting, vi um Bino mais homem, mais seguro e capaz enquanto jogador. Quando gerimos um plantel, percebemos que há sempre dois ou três que vão dar treinador. Bem sei que agora é fácil falar, mas ele era um dos jogadores do Sporting que achava que ia dar treinador. Tem personalidade de líder. Já se tinha destacado no Vitória, depois não teve tanto impacto como se esperava e foi para a seleção. Mas a forma como Portugal jogou neste Europeu de sub-17 tem a ver com a personalidade dele, gosta de ter os jogadores focados no objetivo comum, sem vedetas, privilegia a forma coletiva como a equipa se comporta e a seleção de Portugal é assim”, sublinha o treinador. O resultado está à vista: na final do Europeu de sub-17, a equipa das quinas cilindrou a França por 3-0 e garantiu o terceiro título luso da categoria. Com a assinatura de Bino Maçães.