Crítica de música
Corpo do artigo
O movimento shoegaze teve uma primeira vida na chegada dos anos 1990. O fenómeno era essencialmente britânico e procurava expandir os parâmetros da canção indie pop-rock de uma forma agridoce: muralhas de guitarras elétricas desorientadoras em fundo e um apreço notório, mesmo que expresso de forma encoberta, pela arte clássica da melodia e dos refrães pop. Influências? O som etéreo dos Cocteau Twins, as sinfonias de feedback dos My Bloody Valentine e alguns frutos mais acessíveis da árvore gótica.
Contrariando a lei das probabilidades, o shoegaze infiltrou-se no solo, e o renovado interesse em redor da estética tornou-se explícito a partir da década passada, alimentando o regresso bem-sucedido de bandas como Slowdive, Ride, Cranes e Swervedriver. Os londrinos Lush também tiveram segundo capítulo, mesmo que breve (2015-16), após o qual as suas vocalistas e compositoras, Emma Anderson e Miki Berenyi, não voltaram a parar. E enquanto Anderson se focou em discos em nome próprio, a ex-companheira formou o Miki Berenyi Trio, que vê agora sair o álbum de estreia, “Tripla”, editado pela Bella Union, gerida por – isto anda tudo ligado – Simon Raymonde, ex-Cocteau Twins. Completam o Miki Berenyi Trio o guitarrista Kevin McKillop, Oliver Cherer e uma caixa de ritmos, por vezes substituída em palco por bateristas de carne e osso.
O que se escuta em “Tripla” é uma progressão lógica, porventura mais desanuviada e com incremento do groove, do legado dos Lush. Como tal, a maioria das faixas posicionar-se-á mais do lado da dream pop do que da sua irmã gémea shoegaze. A voz de Berenyi é de pronto reconhecível e uma peça fundamental na arquitetura sónica. Momentos como “8th deadly sin”, “Kinch”, “Vertigo”, “A different girl” e “Ubique” são imediatos e irresistíveis, deixam o ouvinte com a cabeça nas nuvens, escrevem tratados sobre como moldar a canção popular - umas vezes com o tóxico “wall of sound” de antanho transformado em algodão-doce, outras tocando na britpop florida dos Dubstar e Saint Etienne. Tudo bate certo em “Tripla”.