"Pai aos 50" é um espaço de opinião semanal assinado pelo escritor Joel Neto
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Chegado este ponto na vida, a paternidade parece-me a única coisa finda a qual não há felicidade (suspeita que espero nunca confirmar). Ah, não, deixem-me dizer isto de outra maneira: a paternidade é a única coisa depois da qual não se pode ser feliz. O que ela nos faz não pode ser desfeito. Não são só as cores com que pinta o Mundo: é a forma com que molda o lugar que nos reatribui nele. Nunca mais poderemos encaixar-nos noutro. Nem sequer é bem questão de se ser ou não feliz, mas de podermos ou não continuar a existir, e de sermos realmente nós a fazê-lo. Em nenhum momento destes anos todos encontrei sequer a sombra de um abismo de tal natureza. Nem um rasto mais promissor da Verdade.
De maneira que todas as restantes considerações se tornaram supérfluas. É um facto que sempre sonhei com uma menina, e nem todas as razões para isso eram egoístas. O universo feminino fascina-me, desde logo porque, sempre que julgo ter percebido alguma coisa sobre ele, chego à conclusão de que tenho de começar de novo. Parece um cliché, e de certo modo é. Mas homens e mulheres, sendo igualmente capazes da razão, da emoção e da intuição, têm-nas - eu diria - não apenas em frequências diferentes, mas em faixas de rádio diferentes. É precisa toda uma nova telefonia para começar a entender uma mulher. Por isso tantas das minhas personagens foram mulheres, e em particular meninas pré-púberes com um gosto pelas botas de cano ou a condução de tractores: porque me fascina esse seu último instante antes de se tornarem indecifráveis.
Nada disso tem hoje qualquer importância. Aquilo por que suspiro é a possibilidade de depositar o coração nas mãos de outro inefável ainda. E, sim, eu também li a Doris Lessing. Estou consciente dos perigos desse vórtice que é o de desejar mais. Mais amor. Mais felicidade. Mais plenitude, paradoxo por sobre todos fascinante. Há uma loucura nisso tudo, um delírio, uma folia - ademais quando se ultrapassou os 50, já se faz análises ao PSA e se começa a procurar um lugar sentado no autocarro. Talvez eu devesse antes estar quieto. Amigos, familiares, leitores: bastas pessoas parecem pensar que sim, desde logo pela maneira como me perguntam quando publico o próximo livro. É claro: eles também têm filhos. O que nos distingue deles não é ter filhos. Que diabo: até os cãezinhos da rua têm filhos - o que nos distingue deles é escrever livros.
E não há dúvida de que a nossa vida, talvez em mais aspectos do que menos, vai piorar. Somos um casal sem pais ou irmãos à volta, com uma livraria aberta 90 horas por semana e o desejo ardente de proteger velhos hábitos, sonhos e necessidades individuais: é claro que a nossa vida vai piorar com mais um bebé. Mas ainda faltam seis meses e mal podemos esperar. Eu mal posso esperar. Porque, se uma coisa a vida me ensinou, e uma só, foi essa: há um caminho apenas, e esse caminho é em frente.