A vida como ela é
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Decorria o ano de 2003 quando o mercado literário abanou com a publicação de “O código Da Vinci” de Dan Brown, no qual os personagens Robert Langdon e Sophie Neveu desvendam mistérios da Humanidade a partir de um pressuposto que a todos toca: e se Jesus Cristo e Maria Madalena tiveram uma relação amorosa consumada e dessa relação nasceram frutos que poderiam ter mudado o rumo da história mundial? Esqueci as inúmeras peripécias, mas lembro-me que era divertido, imaginativo e entretinha muito. O género policial sempre foi popular, basta pensar na obra de Agatha Christie, mas este livro tinha qualquer coisa que o distinguia de todos os outros: usava uma série de nomes, de locais, de obras de arte e de mitos históricos que são referências mundiais do mundo ocidental. Toda a gente sabe o que é o Louvre, todos temos na cabeça a imagem da mítica Gioconda de Leonardo da Vinci, Jesus Cristo é um herói superstar há 2000 anos e a bela Madalena vive no imaginário coletivo. Se acrescentarmos a eterna busca do Santo Graal, está montado o circo para um enredo que a todos prende. Consta na lista dos dez livros mais vendidos do mundo, acredito que tal sucesso tem a ver com o engenho do autor em inserir as supracitadas referências, entre outras.
Ocorreu-me esta analogia durante as 48 horas após os resultados das eleições legislativas a propósito da subida do partido populista português e do seu líder, que segue o mesmo método de Dan Brown, fazendo uso e abuso das referências nacionais e da Vox Populi que ecoa nos cafés das pequenas e das grandes cidades, nos transportes públicos, nas ladainhas queixosas de quem trabalha de sol a sol, lutando diariamente contra o tempo e contra as duras condições de vida, Luísas que sobem a calçada, sempre em esforço e sempre em défice financeiro, Sísifos lusos que tentam empurrar a pedra montanha acima e que estão cansados de se sentirem ignorados pelo sistema. Um grito de revolta, de angústia e de desespero que não pode ser ignorado. É aqui que o Capitão Aventura entra em ação, com a sua capa de super-herói, imbuído de um discurso colérico e enfático, convencendo quem o ouve que ele é diferente, que foi iluminado pela luz divina, que é o grande salvador da pátria e que sem a sua intervenção na política nacional o país está perdido.
O populismo é um cataclismo ideológico que enfraquece a democracia, quando não a aniquila, mas o comum mortal está descrente do sistema e não consegue perceber que uma alternativa de governação não pode estar concentrada na fúria justiceira de uma única pessoa que nem sequer é capaz de congregar uma equipa competente em seu redor. Olho para o céu e vejo o Capitão Aventura, trajado com as cores da nossa bandeira, exibindo as cinco quinas no escudo, com uma t-shirt com a figura de Nossa Senhora de Fátima estampada a néon, à imagem e semelhança do Capitão América, o herói patriótico de banda desenhada que lutou contra as forças do Eixo durante a Segunda Guerra Mundial. Vivemos tempos de loucura, onde o entretenimento engole a verdade, a informação é toldada pela manipulação e onde o real e o imaginário se confundem. Não precisamos de heróis, precisamos de juízo e de bom senso.