As embalagens enchem-se de alegações ambiciosas, prometem melhorias da textura da pele, redução da aparência “casca de laranja”, mais suavidade e luminosidade. Mas, afinal, qual é a real eficácia destes produtos? Há um número a reter: 85% a 98% das mulheres sofrem com este problema.
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“Esta é a pergunta para um milhão de dólares.” Marta Ferreira, farmacêutica especializada em cosmetologia e fundadora da plataforma abitat.pt, responde assim à dúvida sobre a eficácia dos cremes anticelulite. Na verdade, e embora haja sintonia entre os especialistas sobre o assunto, a questão é mais complexa do que pode parecer. Até porque há vários tipos de celulite, diferentes graus e uma série de fatores à mistura que podem influenciar os resultados. Comecemos, pois, pelo óbvio: a celulite é uma condição crónica que afeta sobretudo mulheres. Chama-se, no termo técnico, lipodistrofia ginóide e, tal como explica Luís Uva, dermatologista e diretor executivo da clínica Personal Derma, “é uma alteração do tecido subcutâneo, que afeta a textura e o relevo da pele, especialmente nas zonas das coxas, glúteos, abdómen e, por vezes, braços”. Simplificando, é aquele aspeto ondulado ou “casca de laranja” que se vê à superfície da pele. Na maioria dos casos, trata-se apenas de um problema estético, embora “em fases mais avançadas, haja desconforto ou até dor ao toque”.
Os números são reveladores, 85% a 98% das mulheres após a puberdade sofrem com este problema. E há uma explicação para isso. É que na pele feminina, segundo Luís Uva, as fibras de colagénio estão dispostas na vertical, “o que favorece a protrusão da gordura (que está em camadas mais profundas da pele) em direção à superfície”. Nos homens, as fibras estão dispostas de forma mais cruzada, “o que ajuda a conter melhor os tecidos”.
E não, o peso não é determinante, há mulheres magras com celulite, embora o excesso de gordura agrave o problema. Entre as causas podem estar a predisposição genética, a retenção de líquidos, o sedentarismo ou fatores hormonais (aqui, o estrogénio é o principal responsável). “Uma das coisas que muitas mulheres não sabem é que a toma da pílula tem forte influência”, alerta Sofia Santareno, cirurgiã plástica e diretora clínica da Dr. Pure Clinic, que acrescenta: “Analisar bem os fatores e a raiz do problema é importante também para as soluções a tomar”. Daí que importe olhar, em primeiro lugar, para os vários tipos de celulite. “Há a celulite edematosa, sobretudo ligada à retenção de líquidos, associada à insuficiência venosa ou linfática. Há a celulite fibrosa, causada por septos fibrosos que não permitem a drenagem e levam também à retenção de líquidos. A flácida, que é mais visual, ligada à flacidez dos tecidos, acontece quando a pessoa perde muito peso. Ou a celulite compacta, que é muito densa e difícil de tratar”, salienta a médica. Contudo, é possível conseguir melhorias. “Melhorando, por exemplo, a questão hormonal ou até o sedentarismo, porque ao mexermo-nos ajudamos os músculos a drenar o sangue venoso”, e assim contribuímos para um aspeto mais agradável.
Mas voltemos à questão do princípio: os cremes anticelulite podem ajudar? “Alguns podem, mas de forma limitada. Muitos destes cremes contêm ingredientes como cafeína, centelha asiática ou carnitina, que podem melhorar ligeiramente a textura da pele, estimular a circulação ou ajudar na drenagem. No entanto, os resultados são modestos e temporários”, resume o dermatologista Luís Uva. Não há dados sobre a venda específica de cremes anticelulíticos em Portugal, mas se olharmos para a categoria geral dos cuidados corporais refirmantes, segundo o “Euromonitor international - Beauty and personal care in Portugal”, as vendas no nosso país têm vindo a aumentar nos últimos anos. Em 2024, atingiram os 38,2 milhões de euros.
Ora, de acordo com a farmacêutica Marta Ferreira, “as marcas de cosmética, quando alegam reduções na visibilidade da celulite, têm de ter estudos para o sustentar, é obrigatório pela legislação europeia”. Mas as metodologias usadas “nem sempre ou quase nunca são de boa qualidade". "O que acontece é que se os voluntários em que testaram estes cremes também fizeram alterações na sua alimentação ou começaram a praticar exercício físico, isso vai ter muita influência nos resultados. E estes estudos não têm em conta estas variáveis, é essa a grande limitação."
Os ingredientes e a consistência
Ainda assim, há, de facto, ingredientes nestes cremes que podem ter alguma eficácia, como destaca Marta Ferreira. São os casos da cafeína ou da carnitina, “que podem, de certa forma, ajudar na eliminação da gordura, mas há muita incerteza sobre isto, porque a camada de gordura encontra-se nas camadas mais profundas da pele e a sua penetração é questionável”. Depois, há ingredientes esfoliantes, como o ácido salicílico, “que têm alguma ação refirmante e podem melhorar a textura da pele, porque a vão tornar mais macia e fazê-la parecer mais lisa, até por ficar mais luminosa”. A par destes, os cremes ainda contêm ingredientes para estimular a circulação, como o extrato de castanheiro-da-índia ou a centelha-asiática. “Com a junção de todas estas ações, poderemos ter algum efeito cosmético, uma melhoria da aparência. Muitas vezes, só o efeito de melhoria da textura e de ação tensora pode ser o suficiente para a pessoa sentir que a pele melhorou a nível estético. Mas nunca nos casos mais graves, não vai propriamente queimar gordura.”
Porém, não podemos olhar para todos os produtos de forma genérica, até porque a eficácia depende muito da fórmula, da interação de todos os ingredientes. “Não é possível dizer taxativamente que nenhum destes produtos funciona ou que todos funcionam”, garante a farmacêutica. Mas Luís Uva dá algumas pistas: “Por exemplo, produtos com cafeína microencapsulada ou retinol estabilizado têm mostrado melhores resultados. Mas o efeito é sempre discreto e exige continuidade”.
A cirurgiã plástica Sofia Santareno segue-lhe o raciocínio e ressalva que “os cremes só ajudam a tratar as camadas mais superficiais da pele”. O segredo, assegura, está na conjugação de várias medidas e na consistência. “Se já trato os meus fatores de risco, o sedentarismo, a alimentação, as questões hormonais, reduzindo o uso da pílula ou usando uma com menos hormonas, e a somar a isso usar um creme, posso ter resultados. Além de fazer drenagens linfáticas com frequência, isso é fundamental para quem tem muita celulite.”
Nos cremes, o truque está em fazer massagens vigorosas e ascendentes, “para estimular a circulação dos vasos e tentar aumentar a firmeza da pele”. “Mas, como em tudo na vida, obriga a consistência, implica fazê-lo duas vezes por dia, é preciso uma pessoa estar altamente motivada. Se a consistência existir, conseguimos efeitos ao fim de dois meses”, sublinha a médica. Sendo certo que depende sempre do grau da celulite. “Em clínica, os cremes não são considerados como tratamento, mas sim um tratamento coadjuvante. Cremes por si só não são a solução, mas podem funcionar como prevenção da flacidez, quando não há um grau elevado de celulite. Quando o problema já está muito instalado, é muito difícil.” Nesses casos, vale a pena procurar uma clínica especializada para fazer uma avaliação, identificar o tipo de celulite, o grau e fazer tratamentos mais profundos. Desde o bodyshock, muito usado para celulite não flácida (usa os ingredientes já aqui falados, mas de forma mais concentrada); ao velashape, que combina radiofrequência (estimula a produção de colagénio e melhora a firmeza) e infravermelhos (atua na circulação); além da mesoterapia, das drenagens ou dos ultrassons.
Há uma certeza, como diz Luís Uva, a celulite não desaparece apenas com dieta ou exercício, mas é agravada pelo sedentarismo, alimentação desequilibrada, tabaco, álcool e retenção de líquidos. Da mesma forma que não desaparece apenas com o uso de cremes anticelulíticos. “Embora não exista uma solução definitiva, é possível obter melhorias sustentadas através de uma abordagem combinada: cuidados tópicos regulares, tratamentos médicos especializados e adoção de um estilo de vida saudável.”