Pai aos 50
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A minha primeira reacção foi um risinho resignado. Dizia o saco:
“Não perca tempo pensando em se dar bem na vida... Viva!
Não perca tempo pensando em fazer o bem... Faça!
não pense no amor,
não pense em amar... Ame!”
Assim mesmo, cheio de desconcertos de pontuação. Mas isso eu já dou de barato. O pior, mesmo, estava naquele tom vácuo e judicioso. Mesmo para um manual de autoajuda, era bastante miserável, tal a escassez de rasgo. E, ainda assim, eu ri-me, porque tenho uma livraria num lugar onde uma livraria só pode sobreviver se vender (e, aliás, se acarinhar) todo o tipo de literatura.
Já me inquietou um pouco mais quando uma das nossas empregadas me disse que a Z. tinha acabado de trazer aqueles tote bags para os pormos à venda entre as suas demais peças de artesanato literato. Ao menos se aquele terceiro “não”, o de “não pense no amor”, começasse numa maiúscula... Assim, era uma coisa não só amadora, mas iletrada. E só depois me apercebi do pior de tudo. No fim da frase, à laia de assinatura, vinha um nome. E, incrivelmente, esse nome era o meu.
Arregalei os olhos. Aproximei-me. Li melhor, uma e outra vez, pensando se teria enlouquecido de vez. Mas não, ali estava, impresso num saco da moda. O meu mandamento inspirador. A minha citação literária.
Fiquei para morrer. Era incrível que a Z. sequer admitisse que eu tivesse escrito tal imbecilidade (escolho bem a palavra). Mas havia pior. Os nossos funcionários, convívio de sete dias por semana há mais de um ano, nem se permitiram estranhar. Até a Carina, leitora voraz, leitora de livros de alta qualidade – até livros religiosos com hermenêuticas intrincadíssimas –, admitiu que eu tivesse escrito tal imbecilidade.
Seria eu aquele imbecil, dia-a-dia, no contacto com eles? Pareceriam assim imbecis os meus livros, de que eles próprios vendiam dezenas de exemplares por semana – dando-mos a assinar, inclusive aconselhando-os? Meu Deus: seriam os meus livros assim?
Ainda não tenho resposta para nada disso. Sei apenas que a citação veio de um outro Joel Neto, brasileiro, autor de um blogue sobre inconsequências televisivas, do género vidinhas dos famosos, lutas pela vitória no Big Brother 35 – essas coisas.
Ficaram ainda mais claros para mim os riscos que corremos se não dermos uma vida analógica como deve ser aos nossos filhos – se não lhes mostrarmos realmente o que é a literatura, o que é o moralismo, quem somos nós, quem são os outros. E tornei a celebrar esse milagre que é o Artur, ao fim de dois anos e meio de vida e nenhum telemóvel, tablet, computador ou videojogo, também já nem se lembrar de os pedir.