"Pai aos 50" é um espaço de opinião semanal assinado pelo escritor Joel Neto
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Se me tivessem perguntado, eu chegaria ao segundo filho tranquilo, sem ansiedades ou medos. De tanto tinha a certeza (absoluta). Mas, afinal, o stress é o mesmo. Há umas semanas, a obstetra disse-nos que a placenta estava algo baixa, o que nos atirou para o consultório cruel do Dr. Google, e só agora, que a encontrou a 2,6 cm do óstio, portanto oficialmente em ascensão, eu voltei a respirar. Há umas semanas, não havia sequer uma pista sobre o sexo do bebé, o que me deixou indeciso sobre se esperar a menina que cheguei a idealizar ou outro menino tão perfeito como o Artur, e como continua tão difícil encontrar sinais de pénis como - para sermos objectivos - afastar a sua existência, eu mantenho a inquietação sobre se hei-de usar um nome ou o outro.
De modo que saímos dali os dois apenas aliviados, de mãos dadas, debatendo sobre como acomodá-los aos dois num caso e noutro. Até que me ocorre: e se eu o amar mais a ele do que a ela? E se a Marta a amar mais a ela do que a ele? Ou ao contrário? Ou - pior - se os dois amarmos mais um do que o outro? E se, ainda por cima, for o mesmo? E se, mesmo tendo consciência do nosso crime, da nossa incompletude, não formos capazes de escondê-la? Ou se, mesmo que nada disso passe de uma percepção errada, de toda a gente ou mesmo apenas deles, se não a conseguirmos desfazer? O que acontecerá se um dos nossos filhos se sentir menos amado do que outro? Ou até se se sentirem os dois - tem acontecido - mal-amados?
De repente, nada me parece mais perigoso do que isso. Sou um homem de 51 anos que se estragou bastante: sempre que penso no futuro, temo não chegar ao fim, não conseguir levá-los pelo menos até ao fim da faculdade, do liceu, do básico. Fui jornalista, sou noctívago, carrego tendências viciosas - tenho medo. Mas é abstracto. Já o que é um filho sentir-se mal-amado, isso sei-o em concreto. Conheço o rosto desse monstro, sei de que roupas se veste e com que adereços se disfarça. O desamor parental, venha dela ou venha dele, tanto pode criar um genocida como um romancista, mas em todo o caso vai causar dor. E com certeza há dores piores, mas não sei se são muitas.
Chego a casa ainda a tremer, já com o Artur no banco de trás. Digo a mim mesmo: Talvez te possa ajudar ao menos a consciência dos riscos que corres - o homem avisado há-de estar ao menos um passo à frente na vigilância, se não no combate. Mas ainda agora, que estou aqui a tentar sublimar essa vertigem, de início semelhante a tantas outras, cada palavra que escrevo para me apaziguar reforça o meu medo. E se, no fim, para minha definitiva derrota, eu não for realmente melhor do que eles?