"Cidadania Impura" é um espaço de opinião semanal assinado pelo escritor Valter Hugo Mãe
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A heroicidade coloca a pessoa no fascínio das outras, tanto quanto a leva numa bandeja igual a um cordeiro oferecido em sacrifício. Os grandes heróis não o são impunemente. O tamanho de sua obra aumenta seus preços, seus encargos éticos e espirituais, suas angústias. Quem mais corre a multidão mais a pode representar, mas também lhe carrega os fardos, lhe conhece as dores e os medos, a fortuna e a humilhação. Os que se levantam bravos diante de seus povos são também aqueles que lhes servem de tradução para o sonho e para o pesadelo.
Os heróis são de todos os jeitos e, quase sempre, encabeçam sua bravura sem um plano prévio, algo incrédulos, como quem vai entendendo o destino sem nunca acreditar por completo. Os meus heróis são aqueles que indicam como trazer todos à humanidade, mais do que aqueles que superam montanhas ou somam letras com números como se fosse magia. Fazer com que ninguém seja esquecido é a maior façanha. A mais bela, a mais urgente.
O Dino publicou agora a sua história, contada por noites adentro ao cuidado das palavras que usa como abrigo. É curioso como o seu livro parece um lugar de caber, um lugar de recolher cada parte de si mesmo, igual a criar a completude possível. Não é que não saiba que muito se perde na vida, mas é para que se saiba o que se perdeu e o que se guarda. Como diz, como se as gerações também se redimam pelo contínuo, dignificando retroactivamente quem as precedeu. A memória, que é toda força, é o ponto de partida de cada gesto. É o lugar de onde partimos a cada dia, mais do que de onde nos esteja o corpo.
A história do Dino D"Santiago não é comum. O que significa de inauguração para as pessoas negras faz com que sua vida seja propensa a contar o tempo por nova medida. E a alegria de celebrar o seu percurso tem de trazer a gravidade de se ter esperado tanto tempo para encontrar em Portugal um exemplo assim. Os meus heróis são como o Dino. É em pessoas como ele, cheias de sonhos e hesitações, que eu acredito. Pessoas que precisam de prosseguir, mesmo que em todos os passos seja possível cair. Como o cordeiro que não se permite abater, o Dino é apresentado em profunda alegria da humanidade pela qual eu espero, e haverá de ser levantado mil e mais mil vezes. Até que todos saibam que é possível, e é obrigatório, fazer melhor mundo para todos.