"Pai aos 50" é um espaço de opinião semanal assinado pelo escritor Joel Neto.
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O meu filho tem sido uma criança saudável, mas pensando bem eu só estive internado uma vez - um quisto tirogloso, há mais de 30 anos - e ele já leva duas no currículo, uma logo à nascença, por via de uma infecção pulmonar nunca determinada, e outra aos 13 meses, por causa de uma bronquiolite que nos deixou aos quatro (avô incluído) sem Natal. De resto, até tem sido um dos mais resistentes a viroses de entre os 17 meninos da turma. No ano passado, parou no máximo duas vezes - talvez só uma -, enquanto outros levaram o Inverno todo em intermitência. Mas esta tarde caiu de cama, com uma virose, e agora está ali, com a cabeça encharcada em suor, a combater a febre.
É uma coisa assustadora, o ritmo a que uma criança adoece. Hoje foi assim. Fui buscá-lo à escola, com a promessa de que íamos andar de bicicleta, e talvez devesse ter desconfiado logo, porque ele não pediu para ouvir A Arca de Noé (pronto, "os animais"). Entretanto, fomos às compras, voltámos a casa para objectar aos efeitos de uma fralda mal colocada, passámos no treino da mãe a entregar um lanche - e, quando finalmente nos libertámos das obrigações, eu tirei a bicicleta do porta-bagagens, propus: "Porque é que não andamos aqui mesmo?", e ele escanchou-se na bicicleta, deslizou minuto e meio pelo asfalto - e pediu para eu o vir deitar.
Quis voltar para o carro de mão dada. Quase adormeceu nos dois quilómetros de trajecto. Pediu para vir para dentro ao colo. Rogou que eu não lhe desse banho. Implorou que eu o secasse depressa - e já não conseguiu mandar-me deitar no sofá aos pés da sua cama porque adormeceu a meio da frase. Agora está ali, vulnerável, num ressonar profundo e instável. E eu pergunto-me: que seria dele se não tivéssemos supositórios em casa? E de mim se a Bia não tivesse vindo cá com o seu termómetro analógico? E de nós os dois se a Marta não tivesse passado na farmácia, depois dos treinos e das reuniões, a atestar-nos de termómetros, supositórios, gotas, sprays? E do mundo se a Adriana não passasse metade do dia a responder ao WhatsApp, ouvindo, diagnosticando, receitando?
Toda a vida me repugnou um pouco ouvir o mesmo desejo formulado a todas as grávidas: "Olha, menino ou menina, o que importa é que venha com saúde". Achava uma banalidade. Mas só por ignorância. Ainda na semana passada acabei o quarto volume da tetralogia de Richard Ford. A maior aprendizagem da minha vida foi, afinal, uma coisa que já todos os pais sabiam: não há nada mais precioso do que a saúde dos nossos filhos - nem nada mais devastador do que a sua doença.